Os Florence and the Machine são um caso sério de sucesso em Portugal e o concerto desta última noite de Super Bock Super Rock foi prova disso. Encheram o Meo Arena como ainda não se tinha visto nesta edição do festival e deram um concerto de tirar o fôlego.
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Assim que as luzes desceram no Meo Arena e se vislumbrou a aparição de Florence Welch, a musa dos britânicos Florence and the Machine, a ovação foi imediata. Cerca de 20 mil pessoas - em dia de lotação esgotada - receberam calorosamente "What the Water Gave Me", a escolhida para abrir um alinhamento ancorado no novo disco, "How Big, How Blue, How Beautiful" (2015), mas com paragem obrigatória nos sucessos dos dois registos anteriores.
"Ship to Wreck", do novo disco, é recebida como uma velha conhecida e Florence esconde o rosto com as mãos, ar envergonhado perante a multidão que se estende em deleite à sua frente. O ar angelical de Florence Welch - vestida de branco, mangas largas e esvoaçantes, pés nus, com o rosto emoldurado pelos longos cabelos ruivos - faz-nos pensar numa serena deusa renascentista, mas é puro equívoco. Ela é uma autêntica força da natureza: percorre o palco de ponta a ponta, salta, contorce-se e rodopia ao longo de hora e meia de espetáculo, justificando a paixão que o público português lhe dedica.
"Shake It Out" motiva um coro gigantesco que Welch dirige de dedos em riste e "Rabbit Heart (Raise It Up)" leva-a pela primeira vez para junto do público, onde um mar de braços abertos a tenta alcançar. Coloca sobre a cabeça uma coroa de flores cedida por uma fã, ergue a bandeira portuguesa bem alto para que os 20 mil que se encontram no Meo Arena a possam ver e o recinto agita-se de emoção, emoção e entusiasmo de quem já chegou rendido e viu as melhores expectativas confirmadas.
"Sweet Nothing", canção de Calvin Harris à qual empresta a voz, apanha a onda de euforia e "How Big, How Blue, How Beautiful", "Queen of Peace" e "What Kind of Man" provam que as canções do novo trabalho se tecem na perfeição com as obras anteriores. Esta última motiva novo voo até à plateia, refrão entoado em uníssono - "What kind of man loves like this?/ What kind of man?" - e a marca de teatralidade que atravessa toda a atuação fá-la prostrar-se no chão.
A todo amor do público, Welch responde com "You've Got the Love" e quebra as amarras com a explosiva "Dog Days Are Over", desabotoando a camisa e correndo no fosso, entre a multidão, apenas de soutien.
No encore chegariam "Third Eye" e "Kiss With a Fist", mas tudo o resto já tinha sido suficiente para que o público se fosse embora convencido de que este é um amor para durar.
Antes, estreia em Portugal do "supergrupo" FFS, ou seja, Franz Ferdinand & Sparks. O projeto é, praticamente, um ilustre desconhecido do público - com disco editado este verão - mas, segundo consta, já vinha de longe o namoro entre os escoceses e os norte-americanos. Em palco laboram canções pop-rock com laivos eletrónicos, sabor a anos 80 remisturados e servidos por duas gerações distintas que, em cima do palco, não parecem assim tão distantes.
O alinhamento não se debruçou apenas no disco, homónimo, - "Johnny Delusional" ou "Call Girl" - mas foi beber também ao repertório de cada um dos grupos. Da banda de Alex Kapranos, que certamente contava com muitos fãs entre a multidão, ouviu-se "Do You Want To", "Walk Away" ou "Take Me Out", e dos irmão Ron e Russel Mael puderam recordar-se"The Number One Song in Heaven" ou "This Town Ain't Big Enough for Both of Us".
Ao mesmo tempo, o palco EDP reunia uma moldura humana animada em torno do projeto transatlântico Banda do Mar. Marcelo Camelo, Mallu Magalhães e o português Fred Ferreira brindaram a noite com a sua pop fresca com sotaque e letras bonitas, impossíveis de não trautear. A química entre a banda estende-se ao público, a partilha de sorrisos, a leveza, canções como "Preciso de Você", "Mais Ninguém" ou "Hey Nana".
Surpresa maior foi ouvir o grupo cantar o mega sucesso dos Los Hermanos "Anna Júlia", que deixou o público tão incrédulo como eufórico. Faltou ver ao lado de Marcelo Camelo o "lo hermano" Rodrigo Amarante, que horas antes tinha atuado no Meo Arena.
O carioca abriu o palco principal do festival às 20.20 horas, para apresentar o seu primeiro disco a solo, "Cavalo" (2013). O caráter mais intimista das canções que esculpe pediriam um palco de outras dimensões, mas "Nada em Vão", "Tardei" ou "I'm Ready" - de um álbum escrito em português, inglês e francês - têm o dom de não perder a sua aura, enternecendo as poucas centenas que presenciaram este momento do festival.
A festa tropical dos Crystal Fighters
Os ingleses Crystal Fighters contagiaram o Meo Arena com a sua manta de retalhos pop, folk e eletrónica, difícil de definir mas capaz de colocar a plateia do Super Bock Super Rock aos pulos.
Entraram de forma sacerdotal, pulverizaram incenso sobre a multidão e logo começaram a pregar as suas canções que a maioria conhece por ouvir na rádio. "Esta passa na Comercial...", ouvia-se uma rapariga comentar no público, referindo-se à tropical "You & I", single de sucesso do primeiro disco do grupo, "Star of Love" (2010), que deu origem a festejos intensos.
A banda assemelha-se facilmente a uma seita espiritual que promove o amor, a liberdade, a fruição do momento e as emoções positivas, uma espécie de família "hippie-chic" com ritmo no corpo e uma mensagem clara para passar.
O sabor a verão de "Plage", do último trabalho, "Cave Rave" (2013), teve direito a bolas de praia gigantes a surfar entre a multidão, levando ao delírio aos convivas que aceitaram participar nesta celebração.
Um dos destaques deste último dia vai direitinho para a passagem dos Palma Violets pelo palco junto da pala do Pavilhão de Portugal. Os londrinos que têm dado que falar desde que lançaram "180", excelente exercício de rock garage germinado em 2013, trouxeram algo que faltava ao festival: um clima verdadeiramente róque, sem rodriguinhos, assim a abrir, sem cerimónias.
Este concerto em Lisboa foi uma festa tremenda, um desfilar de canções curtas, cantadas a duas vozes, refrães irresistíveis, a gerar um tumulto positivo lá à frente, a juventude aos chutos e pontapés e a lançar copos de cerveja ao ar - uma farra quase panque.
Os Palma Violets têm uma série de canções adoráveis - "Best of friends" e "English tongue" são os casos mais flagrantes - e em palco cumprem a missão de semear a pândega de uma urgência rock. Saíram triunfantes do palco e notou-se que já gozam de uma assinalável legião de fãs por cá. Que regressem rapidamente.
Sem grandes demoras, os Unknown Mortal Orchestra apareceram no mesmo palco para um concerto algo desequilibrado. Existiram momentos de algum tédio, sobretudo quando mergulhavam nas redundâncias de uma espécie de R&B sem sal, daquele que não copula nem sai de cima. Só que também ocorreram alturas em que se entregaram a uma louvável desconstrução das estruturas das canções, embrenhando-se em explorações de ruído, cornucópias elétricas, ousados ziguezagues.
Foi pena não terem insistido mais nesta última faceta, coisa que fizeram quando estiveram em Lisboa no ano passado. Ainda assim, o saldo é positivo.
A 21.ª edição do Super Bock Super Rock terminou na madrugada deste domingo e o festival regressa em 2016, nos dias 14, 15 e 16 de julho, de novo ao Parque das Nações.