Músico lança segundo álbum do projeto Luta Livre e volta carregado de mensagens políticas. Esta segunda-feira, às 22 horas, dá um concerto grátis na Avenida dos Aliados, no Porto. Luís Varatojo vai, evidentemente, apelar às massas. "Hoje há muitos problemas sociais, muita coisa para falar e ninguém tem falado. E a música de que eu gosto fala disso".
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Luís Varatojo sentiu na pandemia a urgência de cantar para o Mundo o que se passava à sua volta. Dessa vontade de instigar à mudança social, nasceu o projeto Luta Livre, que tem o novo disco "Defesa pessoal". O artista de 58 anos, um autêntico ativista, apelida-o de "manual para tempos de luta coletiva" e fala ao JN sobre o novo trabalho e sobre o estado da música de intervenção nos dias de hoje.
Porquê entrar na Luta Livre agora e seguir para a "Defesa pessoal"?
São vários motivos. O principal é que eu não consigo passar ao lado das questões do dia a dia, que nos afetam a todos. Em segundo lugar, sobretudo nesta altura, porque faz sentido. Para não ir mais atrás, desde a crise económica de 2010 que as condições de vida têm vindo a degradar-se. Há muitos problemas sociais, há muita coisa para falar e ninguém tem falado. E a música de que eu gosto fala disso. E exige mudança.
Quem são essas referências que sempre exigiram mudança?
Para começar, é incontornável falar de Zeca Afonso ou do Sérgio Godinho, entre outros. Mas vou buscar outros exemplos, como os The Clash - e em geral todas as bandas do fim dos anos 1970 e inícios de 1980. Havia muita instabilidade nas ruas e isso refletia-se naquilo que as bandas escreviam. Cá em Portugal também, com os Xutos & Pontapés, por exemplo, que escreviam sobre questões como desemprego. Éramos novos, passávamos por essas dificuldades e isso batia-nos.
E como é que está a música de intervenção dos dias de hoje?
Com um bocadinho de humor, mas que no fundo é verdade, posso dizer que, hoje, na música de intervenção, não tenho concorrência. Tens obviamente nomes que fazem aqui e ali luta nas suas músicas, mas um álbum como o "Defesa pessoal", totalmente recheado de política, por cá, já não há ninguém a fazer isso.
E no hip-hop, acha que esse género está a fazer música de intervenção?
Tivemos sempre a parte do hip-hop a falar de questões sociais, mas neste momento, e sobretudo em Portugal, acho que há uma crise na mensagem. No hip-hop mainstream, a maior parte dos casos é reacionário, misógino, conservador... Nem sempre foi assim e não é todo o hip-hop, mas aquilo que mais se vê, infelizmente, é isso.
E a música tem a responsabilidade social naquilo que transmite?
Completamente. Posso fazer uma música que entretenha, mas não posso (ou não devia) desperdiçar a oportunidade de ter milhares de pessoas a cantar um refrão num concerto e gasta-la a dizer algo fútil. As pessoas já gostam da música, se lá estiverem palavras que as façam pensar sobre o Mundo, está a criar-se uma massa crítica, uma corrente de opinião e, se calhar, de contestação.
O que falta para termos mais discos totalmente interventivos?
Se calhar, por um lado, há medo dos artistas de serem cancelados em alguns meios. Eu estou à vontade para afirmar isso porque já o senti: o cancelamento ou a não-programação por fazer uso de uma linguagem demasiado explícita. Se eu estivesse a falar de pedofilia ou pornografia, a usar violência ou a apelar à violência, se calhar tinha mais espaço do que estar simplesmente a apelar à cidadania.
Acontecerá isso, também, por falta de compreensão da realidade?
Não me parece. Os artistas não estão alheados da realidade, porque vivem nela. Vivenciam as dificuldades. O que eu escrevo não são as dores dos outros. São as minhas, da minha filha, do meu pai. Compreendo quando a opção é fazer canções sobre amor ou amizade, mas não tocarem minimamente nestes pontos, acho que não é por não os sentirem, é por outras questões.
A efemeridade da Internet retira força à música de intervenção?
Em questões de atualidade, essa ideia de rapidez podia implicar-se por uma questão de desatualização do conteúdo, mas, infelizmente, isso não acontece. Hoje canto sobre temas que já se cantavam nos anos 1970, como a precariedade da classe trabalhadora. E a "Panela de pressão", por exemplo, escrevi-a há um ano, mas não perdeu nenhuma verdade até agora.
A Luta Livre é, então, para continuar?
Pelo menos enquanto houver problemas, sim. A luta é contínua e continua, a luta continua sempre.