Cantora está de regresso com "Picos e Vales", disco que vai levar em agosto ao Festival de Paredes de Coura. Ao JN confessa que gostaria de fazer música com James Blake ou Warren Ellis.
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Estudou pintura, fez documentários, escreveu um livro de poesia, mas a música esteve sempre lá. Com o tempo foi percebendo que o que precisava era de se expressar, de transmitir a sua verdade - mesmo que às vezes escreva de forma tão instintiva que só mais tarde perceba que verdade é essa. Márcia está de volta em 2022 com "Picos e Vales", um disco refletivo, que compôs e produziu. O JN falou com a cantora, que passa a 19 de agosto pelo Paredes de Coura.
Calma, doce e suave são adjetivos que tenho visto atribuídos à sua música. A Márcia é assim?
Acho que ninguém é assim todos os dias... Calma, tenho dias, suave, também. Mas a minha música, creio que é mais... apaziguadora, de emoções. É uma música boa para aceitar o que sentimos, pelo menos é o que eu gostava que fosse; ou então é o que eu própria sinto, com a distância que ganho dos discos. Porque nós fazemos os discos e às vezes passado muito tempo é que percebemos as canções, ou porque as fizemos, parecem mensagens de nós para nós mesmos.
A música é uma terapia?
Também. Há pessoas que me escreveram há um ano, para me apoiar porque eu tive o problema de saúde; diziam que tinham tido um problema e se tinham apoiado em "Tempestade". Eu não tinha a noção da quantidade de pessoas que se envolveram com aquela música e que ela as ajudou a passar por algo, por isso imagino que haja ali mensagens positivas que nem me apercebi que tinha posto. É como se eu fosse um veículo daquela mensagem que vai ser importante para as pessoas - sendo que eu estou lá incluída e um dia vai ser importante para mim também.
De "Picos e Vales" diz ser, como o nome indica, um disco de altos e baixos. Da vida e do nosso percurso, ou de cada dia, nas emoções?
É uma ótima pergunta, porque eu acho que é isso tudo. Toda essa dicotomia, de uma pessoa se sentir segura mas confusa; feliz, mas preocupada; livre mas insatisfeita. Acho que os meus discos são processamentos do que vejo, do que sinto, do que vejo que as pessoas sentem.
Em "Força de Fera" escreve "dizem que ser humano é ser amado". Quem não é, sente-se menos humano?
Eu explico nos concertos que essa canção é sobre uma relação abusiva. E mais à frente apercebi-me que ela está a falar com uma confidente sobre sentir-se inferiorizada, por não conseguir amar. E não consegue amar, vai percebendo, porque sofreu uma deceção e foi enclaustrada. Quantas vezes isto acontece - quantos de nós já passamos por situações em que não sabíamos o que estava acontecer e só depois é que pensámos "não foi justo para mim". E eu só me apercebi nos concertos que era mais isso...
É como se escrevesse instintivamente e só depois dissecasse as camadas do que fez?
Mas completamente, é isso mesmo. A canção sai e só depois penso "ah, é sobre isto". E penso que está arrumado mas não, aos poucos vou entendendo o que está lá. Como se as canções fossem uma voz, uma intuição muito escondida: nós não sabemos que sabemos coisas porque está camuflado, ou por pressão social ou não é a altura certa para desabafar. E para mim a música é esse espaço, ali sou livre, não devo nada a ninguém e a verdade sai.
O que a fez querer tornar-se compositora e cantora?
Acho que era esse propósito interno, de procurar a verdade. Já com os documentários era. A minha
vontade de cantar era de expressão, tal como de pintar. Fiz o curso de Belas Artes e Pintura mas aí debrucei-me a estudar o conceptual e a minha parte emocional ficou mais no canto. Eu tinha era vontade de me expressar, de ser ouvida.
O que mais lhe dá gosto nesta profissão?
O mesmo: ser entendida. Os concertos, a partilha, entender os outros, se a pessoa chora, como no Tivoli. Uma pessoa disse-me ser caso sério encontrar quem não tivesse chorado no "Lado Oposto", lá; e é uma canção que eu fiz comovida e as pessoas também desabafam através dela. Nós todos temos coisas para processar.
No futuro, com quem gostaria de colaborar?
O James Blake! Ou o Warren Ellis, do Nick Cave! Eu tenho poucos ídolos mas há pessoas que só de as ver fico muito..., qual é a palavra? Encantada.