Nascido em Argel em 1948, de etnia cigana, Tony Gatlif é um cineasta independente, repleto de talento e que tem, ao longo da sua carreira, mostrado no ecrã a cultura cigana como nenhum outro.
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Filmes como “Les Princes”, “Latcho Drom” ou “Exílios” fazem hoje parte do património cinematográfico mundial. A esses e muitos outros títulos na filmografia de um homem que viveu algum tempo no Alentejo junta-se agora “Ange”.
A personagem que dá o título ao filme é interpretada pelo conhecido músico Arthur H. e enceta uma viagem para se reconciliar com um amigo do passado, na companhia da filha de uma antiga paixão. Ora, retomando novamente os laços com o nosso país, o realizador, que apresentou o filme na secção Cinema a la Plage do Festival de Cannes, convidou Maria de Medeiros para interpretar esta personagem. E é uma radiosa Maria que vemos no ecrã.
O filme está já felizmente adquirido para distribuição em Portugal, e deixaremos para essa altura a partilha com o leitor da conversa bastante amigável e interessante que o JN teve com Tony Gatlif. Mas deixamos para já aqui as suas amáveis e sentidas palavras sobre Maria de Medeiros. “A Maria é uma conhecida minha desde que vivi algum tempo em Portugal. Cruzei-me várias vezes com ela e vi muitos filmes em que ela entrou. Gostei sempre dela, mas nunca tive nenhum papel para ela”, começou por nos dizer a propósito da atriz portuguesa.
Finalmente a oportunidade apresentou-se, como nos disse o realizador. “E aqui achei que iriam muito bem juntos, ela e Arthur H., o músico. No filme, quando a vemos, descobrimos logo o passado entre ela e a personagem de Ange. Ela exprime imensas coisas através do rosto dela e da sua voz magnífica, com essa mistura entre o francês e o português. Ela corresponde perfeitamente à personagem”.
Tony Gatlif recordou ainda como decorreu o trabalho com Maria de Medeiros. “Quando a convidei reagiu muito bem. Falámos imenso e trabalhámos bastante sobre a personagem. Eu não sou muito de dirigir os atores, dou-lhes algumas ideias e quando estamos de acordo, avançamos. E ela é também uma bela cantora. E é muito bonita. Queria que ela fosse pura e natural no seu rosto de uma mulher já de uma certa idade”. Aqui fica desde já o alerta. Quando “Ange” estrear em Portugal é absolutamente a não perder.
Entretanto, a corrida para a Palma de Ouro aproxima-se do fim e nela pode muito bem entrar “Woman and Child”, o novo filme do iraniano Saeed Roustaee, autor de filmes extraordinários como “A Lei de Teerão” e “Leila e os Seus Irmãos”. Como neste último filme, o jovem realizador aproxima-se do íntimo, do humano, numa história de ressonância "shakespeareana" sobre uma mãe solteira que tem de lidar com uma imensa tragédia pessoal. Não vemos como este filme não possa estar no palmarés de Juliette Binoche, a revelar amanhã ao fim da tarde.
Já o chinês “Ressurection”, que entrara para a competição de Cannes à última hora, desiludiu a maior parte dos jornalistas que aguardavam com enorme expetativa a nova obra do realizador Bi Gan. É verdade que este conto de ficção científica confirma o lado visionário do jovem chinês, já demonstrado em outros filmes que não tivemos oportunidade de ver, mas aqui o humano perde-se num imenso vendaval de efeitos especiais e referências à história do cinema, um pouco desajustadas até, e o espectador perde assim também a conexão com as personagens do filme.
Para que a competição pela Palma de Ouro fique completa, serão hoje exibidos os dois últimos títulos dos vinte e dois que o júri terá de analisar, “Jeunes Mères”, dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, já por duas vezes vencedores do maior prémio de Cannes, e “The Mastermind”, de Kelly Reichardt.