Marshall Allen, lendário saxofonista da Sun Ra Arkestra, estreia-se a solo com o disco “New dawn” e bate recorde de longevidade.
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É um acontecimento musical e um acontecimento humano. Marshall Allen, membro da Sun Ra Arkestra desde 1958 e líder dessa formação mítica desde 1995, estreou-se a gravar a solo…aos 100 anos. Tony Bennett detinha o recorde do Guinness de pessoa mais velha a gravar – aos 95, mas não era a estreia. O debute mais tardio pertencia a Colin Tackery, que venceu o Britain’s Got Talent aos 89. Allen desafia as leis da longevidade.
E que dizer do disco deste ex-soldado da Buffalo Soldiers Division, estacionada em França, na II Guerra Mundial? É só uma curiosidade estatística? Não, é um disco que vale a pena comprar. Não só ouvir “à Inácio”...
Vale a compra porque é um objeto histórico e é um grande disco de jazz. Onde flutuam as memórias cósmicas da Arkestra, as invenções lançadas pelo coletivo virtuoso que se mantém na estrada, mas no ambiente sábio, plácido e luminoso do magnífico decano.
Para esta insigne empreitada, Marshall rodeou-se de um escol de músicos: o baixista Jamaaladeen Tacuma, os trompetistas Michael Ray e Cecil Brooks e o saxofonista Knoel Scott, que faz os arranjos de “New dawn”. No único tema cantado, a voz é de Neneh Cherry. A produção é de Jan Lankisch. Há ainda uma orquestra inteira a creditar.
Mais do que abarbatar o disco com piruetas e longos solos, Marshall prefere ir pontuando, delicada e oportunamente, as sete faixas do álbum com o saxofone alto, o IES (instrumento eletrónico de sopro) e a kora.
“African sunset” é uma paisagem cálida e atmosférica com ecos das big bands de Duke Ellington. “Boma” é uma poderosa faixa intumescida de groove. “New dawn” é filigrana para Neneh Cherry. E “Sonny’s dance” retém as facetas exploratórias de Marshall. Sem cair no caos do free jazz, mas desvelando uma vida musical que sempre rejeitou o conforto, “New dawn” tem o potencial de atrair novos fãs para este universo que dura há um século.