Matt Dillon fala ao JN de “Maria”, novo filme que analisa o trauma da cena de violação em “O último tango em Paris".
Corpo do artigo
Maria Schneider ascendeu à fama com “O último tango em Paris”, que fez com apenas 19 anos. Mas a famosa cena da violação, que o realizador Bernardo Bertolucci e o seu parceiro de filme, Marlon Brando, esconderam à atriz até ao momento da rodagem, deixou-lhe um trauma que nunca mais a abandonou, até à morte prematura, em 2011, com 58 anos. A prima de Maria, Vanessa Schneider, escritora e jornalista, publicou um livro sobre a atriz, que Jessica Palud adaptou ao cinema. O filme, simplesmente “Maria”, está nos cinemas, tem Anamaria Vartolomei no papel principal e Matt Dillon a fazer de Marlon Brando. Em Cannes, onde o filme estreou mundialmente, o JN falou com o icónico ator, conhecido pelos filmes que fez com Coppola, Gus van Sant ou Lars von Trier.
O que significa Marlon Brando para si enquanto ator?
Teve um impacto enorme em mim quando era jovem e no início da minha vida como ator. Mas nunca imaginei que um dia o iria interpretar. Foi uma boa surpresa. Fiquei intrigado com a ideia. Li o guião e gostei imenso. Gosto do facto do Marlon Brando não ser visto como um monstro, apesar de sabermos do trauma que a Maria Schneider sofreu.
Como surgiu o convite?
Eu vivia em Roma quando os produtores vieram ter comigo. Tive uma boa sensação, gostei deles. A tentação de interpretar Brando era muito grande. Após falar com eles não hesitei um segundo, queria mesmo fazer o filme.
De que forma o Marlon Brando o influenciou como ator?
O Marlon Brando fez parte da minha educação. Fiz o meu primeiro filme aos 14 anos, realizado pelo Jonathan Kaplan, que me chamava Marlon. Depois fui estudar representação com o Lee Strasberg, mas o mais importante foi ver os filmes do Marlon Brando. Do James Dean e do Montgomery Clift.
Qual era o segredo dele?
As pessoas gostavam dele, talvez por ser tão verdadeiro, espontâneo e criativo. Mas o mais importante no Brando era a sua vulnerabilidade. Mudou a forma como olhávamos para o homem americano. Não era um John Wayne, era um homem com defeitos. Por outro lado, tinha aquela força e aquele poder devastador.
Que reação teve ao ver “O último tango em Paris”?
Mudou a forma como olhava para tudo. O filme causou-me grande impacto. O que o Brando faz é revolucionário, é magnífico, e hoje, infelizmente, é manchado pelo trauma da Maria Schneider. Ela também tinha imenso talento. Quando vi o filme, nem foram as cenas de sexo que me causaram mais impacto; foi a forma como eles interagiam.
Como viu a cena da violação?
Para mim até é a pior cena do filme. Pensei que era apenas mais uma das cenas malucas de sexo que vemos em tantos filmes. Nunca me passou pela cabeça que a Maria Schneider tivesse ficado traumatizada pela cena. Pensei que estava no guião, como a cena de sexo no início do filme.
Como descobriu a verdade?
Fui lendo coisas. Perguntavam-me o que era feito da Maria Schneider, era uma grande atriz. Mas diziam-me que se tinha metido nas drogas, que era complicado trabalhar com ela. A certo ponto gostava de a conhecer, porque gostava tanto dela. Mas depois percebi o que lhe tinha acontecido naquele filme.
Ela foi enganada…
Ela foi enganada, mas é uma técnica que atores e realizadores usam. Tentam coisas na altura, para ver como é a reação. Neste caso, pode dizer-se que foi uma manipulação. Foi errado fazê-lo numa cena tão sensível.
E era inexperiente, 19 anos...
Sou sensível a isso, porque comecei também muito cedo. Mas ela já vinha de uma relação muito complicada com os pais. E teve aquela grande oportunidade. Em muitas cenas, vemos como ela gostava de trabalhar com o Brando. Era uma espécie de mentor. A química entre eles era magnífica, mas aquela cena foi tão errada.
Ser também realizador ajuda-o a dirigir atores?
Como sou ator, sou um realizador com muita atenção para com os atores. Sinto-me responsável por eles. Trabalhei com um realizador muito provocador, o Lars von Trier. Mas adoro-o, é uma pessoa muito honrada. Um realizador tem uma posição de poder, e tem de ser muito responsável.
Tem opinião sobre o “coordenador de intimidade”?
A única vez que trabalhei com um foi neste filme e nessa cena. A profissão existe provavelmente por causa daquela cena. O coordenador de intimidade está lá para proteger os atores. Também pode ter um papel criativo, como os coordenadores de duplos. Intimidade é outra coisa, mas ter essa pessoa ao nosso lado pode ajudar.
Como foi recriar essa cena com a Anamaria Vartolomei?
Gostámos muito de a fazer. Estou muito orgulhoso do que fizemos no filme, que é muito importante, é a história de uma injustiça e de uma vida traumática. A realizadora não fez um filme político, contou uma história. Mas, para mim, “O último tango em Paris” será sempre um grande filme.