"Memórias e sonhos" do Alentejo chegam a Lisboa com nova peça do Teatro Ibérico
Longe da terra natal, duas mulheres alentejanas falam em "Além" da importância das memórias para não perderem a identidade.
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É a partir de um pequeno quarto de hospital que as personagens interpretadas por Helena Baronet e Vanda R. Rodrigues nos levam a uma viagem pelas gentes, cultura e costumes alentejanos, numa constante revisitação a um lugar onde foram felizes e onde já não estão, mas que ainda está muito presente nas suas vidas. As atrizes sobem ao palco do Teatro Ibérico com a peça "Além", inspirada na história da encenadora e diretora do Teatro Ibérico, Rita Costa, que veio de Évora para Lisboa há dez anos para perseguir uma carreira no mundo do teatro.
"A peça é esta tentativa sistemática e quotidiana de duas mulheres se manterem vivas através da memória, das saudades e do sonho, do que é que foi para elas o Alentejo, daquilo que poderia ou não ter sido ao ficarem na terra que as viu crescer. O quarto é o espaço onde elas sonham, voam e podem sair de outras formas", deslinda Rita Costa ao JN.
Longe da terra natal, as personagens "não abandonam o sítio onde foram felizes" através das memórias. "Passam a vida a querer revivê-lo porque têm consciência que já lá não estão. É este caminho que tentamos propor ao espectador. Trata muito do presente e do passado, que muitas vezes podem ser confundidos", explica.
"A importância do papel da mulher na sociedade alentejana" também não foi esquecida pela encenadora, que leva ao palco o grupo coral feminino Papoilas do Enxoé, "que fez duas músicas específicas para o espetáculo". "A peça aborda questões que estão muito presentes no que elas cantam", revela Rita Costa.
"Além" baseia-se na história da própria encenadora, que em 2012 saiu de Évora para viver na capital. "Fala também de como é que nos encontramos com esta quase esquizofrenia de vir para as grandes cidades. A mudança de vida é quase extrema, passamos de um sítio mais calmo para um onde é tudo muito rápido, tudo é 'muito'", diz. Nesse frenesim diário, há "uma saudade bastante presente", que a encenadora também quis trazer para o espetáculo.
"A mensagem que também quero passar é que não esqueçam as raízes. O país é tão pequeno, mas de terra para terra há uma diferença abismal de cultura, o que faz de Portugal um país tão rico. Não podemos esquecer que as localidades são feitas pelas pessoas e isso é muito importante", salienta.
O texto de "Além" é escrito por João Garcia Miguel a partir da peça "A sombra", escrita por Rita Costa e Lígia Santos em 2011 como trabalho final do mestrado em Arte do Ator na Universidade de Évora, orientado pela atriz Fernanda Lapa.
"Já tínhamos a noção que provavelmente iríamos sair de lá em busca de trabalho e quisemos fazer uma homenagem ao Alentejo. Agora, por causa da pandemia e das saudades de casa, de querer ir buscar as minhas raízes, deu-me muita vontade de falar sobre o Alentejo, mas de uma perspetiva mais distante porque já estou há dez anos fora", explica.
A peça estará em cena até 17 de abril, de quinta-feira a sábado às 21 horas e aos domingos às 17 horas. Haverá uma sessão com audiodescrição para cegos e pessoas com baixa visão e outra com interpretação em língua gestual portuguesa, "algo que o Teatro Ibérico tem vindo a apostar desde o ano passado".
Quem não conseguir deslocar-se ao Teatro Ibérico pode ver "Além" em livestreaming no próximo domingo, 10 de abril. No último dia do espetáculo será lançado um livro sobre a peça e vai decorrer uma conversa informal com as atrizes e a encenadora.
Numa cidade onde vivem milhares de pessoas vindas de todo o país, Rita Costa diz que este trabalho "é para qualquer pessoa que tenha de alguma forma esta proximidade com a realidade que é sair de casa. Acho que toca a todos, e convido todos a virem matar um pouco as saudades de casa".