A artista brasileira expõe no Museu Internacional de Escultura Contemporânea até 8 de outubro.
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Alberto Carneiro (PT, 1937-2017) não foi só um dos mais importantes escultores portugueses da segunda metade do século XX, como também terá sido aquele que vinculou uma geração de outros artistas ao estabelecimento de uma relação de respeito com a natureza e com os recursos endógenos. Autor do fabuloso “Notas para um Manifesto de Arte Ecológica”, escrito entre dezembro de 1968 e fevereiro de 1972 e publicado no número 1 da Revista de Artes Plásticas, em outubro de 1973, sob direção e promoção de Egídio Álvaro (PT, 1937-2020) e de Jaime Isidoro (PT, 1924-2009), Alberto Carneiro, ao contrário de muitos da sua geração, num Portugal triste e reprimido, não nasce no seio de uma família privilegiada que lhe permite estudar Belas-Artes mas, pelo contrário, começa a trabalhar, aos 10 anos de idade, na oficina de um mestre santeiro, em Coronado, (hoje) Trofa, onde aprendeu a dominar a madeira. Ali se manteve até aos 21, tendo depois passado pela António Arroio, em Lisboa, Soares dos Reis, no Porto, Escola Superior de Belas-Artes, no Porto. Nesta altura, estudava no horário noturno e trabalhava durante o dia, também a dar aulas. Vinha de bicicleta, diariamente, de Coronado ao Porto, regressando pela mesma via, como descreveu em várias entrevistas. Já como bolseiro da Gulbenkian, frequenta a Saint Martin’s School of Art, em Londres. Nunca deixou a sua terra e afirmou muitas vezes que toda a sua obra estava ligada a essas mesmas origens e às memórias da sua infância. Adquiriu prestígio nacional e internacional, produzindo um corpo de trabalho de coerência e originalidade ímpares.
Em 1990, propõe ao município de Santo Tirso a realização de um conjunto de simpósios de escultura, com temáticas ligadas à arte contemporânea, em particular, à escultura pública. Após a realização de quatro simpósios de escultura, em 1996, é aprovada a constituição do Museu Internacional de Escultura Contemporânea de Santo Tirso (MIECST), hoje com cerca de 54 obras de arte em espaço público, organizadas no perímetro urbano da cidade de Santo Tirso e permitindo uma visita autónoma e livre. As obras estão dispostas em diferentes áreas públicas e resultam das dez edições dos simpósios de escultura realizados entre 1991 e 2015. Depois, foi a vez de intervencionar o Museu Municipal Abade Pedrosa, instalado no mosteiro beneditino classificado como monumento nacional, e construir um espaço de acolhimento para o MIECST. Álvaro Siza (PT, 1933) e Eduardo Souto e Moura (PT, 1952) foram os arquitetos protagonistas destas intervenção e criação, passando o MIECST a dispor também de espaços de exposição fechados. Desde estão, este equipamento tem apresentado exposições de enorme relevância, sendo essencial na divulgação das linguagens contemporâneas da escultura.
Até 8 de outubro de 2023, está patente a exposição “Flecha” da artista Mercedes Lachmann (BR, 1964) e com curadoria de Cristiana Tejo (BR, 1976), esta última radicada em Portugal há vários anos e uma das principais responsáveis pela boa integração dos muitos artistas, provenientes do Brasil, que, nos últimos anos têm chegado e enriquecido o ecossistema criativo português. Mercedes Lachmann tem, no seu vasto currículo, a frequência da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, uma referência mundial na promoção da criação e do pensamento contemporâneo, cruzando os saberes das práticas artísticas com os das ciências sociais e humanas e, sobretudo, privilegiando o contacto e o diálogo entre críticos, curadores e artistas. Em “Flecha” a artista dá expressão à sua investigação sobre as questões da natureza, das plantas e das suas propriedades químicas e alquímicas, propondo uma instalação, por capítulos, que se relaciona com as coleções de arqueologia do museu e estabelece um vínculo entre os objetos e o vídeo que solicita a atenção do espectador e a sua especial sensibilidade para a criação de relações com as semióticas do feminino, tema também recorrente na prática desta artista. Apresentam-se obras com recurso ao vídeo, vidro, metal, madeiras, merecendo destaque a obra “Tropirizoma” (na imagem) em que as propriedades de plantas, comuns a tradições ancestrais de Portugal e do Brasil, compõem uma espécie de almanaque visual, complementado com o texto, onde se acentua a força da natureza e os seus poderes.
Mercedes Lachmann é uma artista completa e sensível que, nesta exposição, foi capaz de compreender a herança de Alberto Carneiro e fazer as pontes entre dois pontos do Atlântico, unidos pelo religioso-pagão. Para ver até 8 de outubro, em Santo Tirso.