Encenador e ator, Carlos Avilez morreu esta quarta-feira, deixando atrás de si um percurso rico e multifacetado. Tinha 88 anos.
Corpo do artigo
A História inscreve Carlos Avilez como fundador do Teatro Experimental de Cascais (TEC), em 1965, mas o ator e encenador – que faleceu esta quarta-feira, aos 88 anos, vitimado por uma paragem cardiorrespiratória – foi sobretudo um refundador do teatro português. E contribuiu de forma decisiva para que as artes cénicas nacionais enveredassem pelos caminhos da desejada modernidade.
Iniciado em 1956, na Companhia Amélia Rey Colaço-Robles Monteiro, onde permaneceu até 1963, o percurso profissional de Avilez estendeu-se até ao presente. “Sempre com muita vontade de trabalhar”, como assinalou o TEC numa nota de pesar, na qual recordava que, apesar da “saúde fragilizada”, ainda encenou “Electra”, de Eugene O’Neill.
A 177.ª produção da companhia estreou-se na semana passada na Academia Artes do Estoril, no Monte Estoril, e ficará em cena até 17 de dezembro.
Por ironia do destino, a sua derradeira peça foi precisamente a mesma que o fez apaixonar-se pelo teatro. Ainda criança, acompanhou as tias ao Teatro Nacional para assistir a uma representação do texto de O’Neill, com Palmira Bastos, João Villaret e Amélia Rey Colaço nos principais papéis.…Foi também “D. Amélia”, como respeitosamente a tratava, que o ajudaria a encontrar um rumo. “Você não é um ator. É um encenador”, disse-lhe a lendária figura. O desgosto inicial acabou por dar lugar ao reconhecimento, assim que seguiu os seus ensinamentos.
Ao todo, foram seis décadas de encenação, um período longo que começou por dar brado desde o início. A primeira peça com a sua assinatura, a tragédia clássica “A Castro”, de António Ferreira, chocou os mais conservadores – era uma inédita abordagem contemporânea à tragédia de Inês de Castro.
A imagem de transgressor foi constante nesse período, o que lhe valeu críticas contundentes dos meios culturais mais ortodoxos, às quais afirmava não ligar, “por já estar habituado”.
“Um ídolo” para os mais novos
A ligação umbilical ao TEC não interferiu com os cargos e responsabilidades que foi assumindo através das décadas. Da direção artística dos dois principais teatros nacionais, D. Maria II e São João, à presidência do Instituto de Artes Cénicas, Carlos Avilez carregou boa parte da História das artes de palco portuguesas da segunda metade do século XX em diante. Pelo meio, ainda dirigiu outras estruturas marcantes, como o Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra e a Companhia Nacional de Teatro I - Teatro Popular.
O papel decisivo que desempenhou estendeu-se à vertente formativa. Há exatamente 30 anos, ajudou a criar a Escola Profissional de Teatro de Cascais, responsável por sucessivas fornadas de atores, à qual ainda hoje fazia questão de estar associado, como docente.
Numa das derradeiras entrevistas – concedida já este anos à revista “Visão” –, confessava ter “um prazer enorme a trabalhar. Cada vez mais” e recusava nostalgias, defendendo que “hoje há muito bom teatro”, com “encenadores e atores de grande qualidade”.
Muitos deles pronunciaram-se ontem, como Nuno Cardoso, diretor artístico do Teatro São João, para lamentar a morte de um “pedagogo, criador e gestor”. “Quando uma coisa destas acontece, é um bocadinho do palco que fica mais escuro”, acrescentou o responsável.
Diretor do Teatro D. Maria, Pedro Penim recordou o peso de Avilez nas novas gerações: “Veem-no como um ídolo e ajudarão a carregar esta marca que nos deixou”.
O primeiro-ministro de Portugal também comentou o desaparecimento de Carlos Avilez: “Era um apaixonado e incansável homem do teatro. O seu legado é imenso”, disse António Costa.