Jovem atriz francesa é a protagonista de “Rosalie”, já nas salas de cinema. Em entrevista ao "Jornal de Notícias", recorda o grau de exigência do papel.
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Aos 27 anos e atriz desde a adolescência, a francesa de origem finlandesa Nadia Tereszkiewicz é o rosto por detrás de “Rosalie”, segunda longa-metragem de Stéphanie Di Giusto, sobre o drama de uma mulher com barba na França do último terço do século XIX. Uma das grandes esperanças do cinema francês de hoje, a atriz falou ao JN, numa altura em que o filme já se encontra nos nossos cinemas.
Como é que abordou a personagem?
É uma personagem que vai levar um combate para a aceitarem como ela é. Espera ver no olhar dos outros o que precisa para viver a sua vida de mulher como deseja. Tem de se confrontar com a violência, até que o amor seja mais forte na aceitação da sua diferença. Até que o desejo que finalmente sente no outro vai permitir-lhe de existir. De ter um amor que não se preocupa com as normas e com a imagem que se deve ter de uma mulher.
O filme questiona o que é a feminilidade, a normalidade, a beleza.
Ela é uma mulher com pêlos, como os homens, mas é uma mulher. Eu perguntei à Stéphanie se ela devia ser masculina. Mas de forma nenhuma. Estamos numa sociedade que julga e que precisa que entremos em categorias. O que eu tive de fazer foi compensar a sua situação com a postura, com a procura de uma forma de graça. Tudo o que a pode tornar mais feminina, as roupas, a delicadeza.
Como mulher, como é que sentiu a luta interior desta personagem?
Eu como pessoa sou por vezes um pouco masculina, se isso quer dizer alguma coisa, e tive também de encetar uma forma de combate para a tornar mais feminina. O problema do ódio no olhar dos outros é que os questiona e os perturba a eles próprios. O problema é deles, mas é atirado para cima de Rosalie.
É de uma grande força, a forma como ela reage a todo esse ódio…
Logo ela, que não sente nenhum ódio, que tem uma enorme bondade e pureza. E uma enorme vontade de viver. Só tem uma vida e quer vivê-la como ela é. E é precisamente quando ela assume aquela barba que se torna verdadeiramente mulher. É isso que acho tão bonito nesta história.
Qual foi a sua primeira reação quando foi convidada para este papel?
Sonhava fazer um filme com ela, porque já tinha um papel muito pequeno de bailarina no filme anterior. Quando soube que tinha sido escolhida vi logo que o que ela queria contar era a história de amor. Fora do comum, como a personagem é fora de comum. Todos nós temos uma “barba”, algo a combater. É um filme que faz apelo à tolerância e ao humano. E havia qualquer coisa que me faz sonhar no cinema, sabia que ela ia à procura do romanesco. De fazer um grande filme, Cinema mesmo.
Enquanto atriz, ter uma barba acabou por a libertar, na medida em que a Rosalie não é a Nadia?
Em cada papel tenho de combater uma espécie de vergonha e de mal-estar. É verdade que nunca somos nós nos papéis. Já fiz teatro e nunca me senti tão livre em cima do palco como no cinema. Como se a câmara nos protegesse, criando uma certa distância. Quando me vi com a barba senti logo que era outra pessoa.
Como é que foi o processo técnico de colocação dos pelos?
Todos os dias precisava de quatro horas. E nem eram só os pelos. Só quarenta minutos eram para os vestidos, o penteado mais duas horas. E os pelos eram colocados um a um, por vezes pensavam que éramos loucos. . É um método muito preciso. Pensámos todos nisto durante vários meses, Era preciso ser justo em relação à personagem.
Como é que foi a relação com o Benoît Magimel, que interpreta o seu marido?
Descobri o Benoît na ficção. Não nos tínhamos encontrado antes da rodagem, nem sequer nos camarins. A primeira vez que ele olhou para mim foi no início do filme, quando a minha personagem chega na carroça. Pode parecer ridículo, mas na realidade esta distância, este mistério, alimentou a interpretação. Ele é muito generoso no trabalho, é uma pessoa extraordinária. Com ele, todas as cenas complicadas são fáceis.
Foi complicada de rodar, a cena da noite de núpcias?
Como filmámos por ordem cronológica, fomos criando uma certa cumplicidade. Para essa cena, tinha medo da reação dele. Atrás da porta, a minha mão batia contra a maçaneta porque não conseguia controlar o meu pânico. Quando cheguei à frente dele, fiquei mudada, perturbada, afetada, pelo seu olhar.
E como é que ele reagiu?
Eu senti a perturbação dele, a rejeição. E que ele jogou com isso. É por isso que nunca nos falámos, mesmo entre cada take. Mesmo antes da rodagem, cruzámo-nos em Cannes, cada um de nós tinha um filme no festival, mas sentimos que não nos devíamos falar. Se fôssemos os melhores amigos do mundo, o filme não teria funcionado.
Agora ficou a conhecer melhor a Stéphanie Di Giusto…
A Stéphanie tem algumas das mesmas qualidades da Rosalie. Uma certa fragilidade, o prazer da vida. E a força, que é necessária para ultrapassar tudo o que se passa durante umas filmagens. É um prazer trabalhar com alguém que não está ali só para fazer um filme, e que se deixa impressionar pelo que está a acontecer à sua volta. E que é disponível, em termos artísticos.
Que papéis é que gosta mais de interpretar?
É muito raro ter a oportunidade de interpretar uma personagem assim. À medida que vou trabalhando com bons atores, aceito cada vez menos outro tipo de papéis, o que torna tudo mais difícil. O que gosto é de aceitar papéis que me desafiem e questionem. E que correspondam ao meu gosto de cinema.