A imensa obra do realizador alemão também passou por Portugal. Mostra de seis filmes assinala o seu aniversário.
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Wim Wenders nasceu em Dusseldorf, a 14 de agosto de 1945, na véspera da rendição do Japão que assinalava o final da Segunda Guerra Mundial. Cinema e História reúnem-se na gigantesca obra do cineasta, que já o levou a filmar em vários pontos do mundo, da América ao Japão, passando por Portugal.
Wenders pertence à geração de ouro do cinema germânico da década de 1970, que incluiu nomes como Fassbinder, Herzog ou Schlondorff. Todos eles, como em todos os grandes movimentos culturais, marcaram um território diferente. O de Wenders é o da errância, da busca pessoal, da reflexão filosófica ou de influências como a pintura ou o western.
O octogésimo aniversário de Wim Wenders apanha-o muito longe de uma ideia de reforma. São vários os projetos que tem em marcha e não esquece o seu próprio legado, com uma organização que gere em permanência o seu património, e uma enorme disponibilidade que o levou a passar o mês inteiro de fevereiro numa tournée por toda a Índia a mostrar a sua obra.
Entre nós, a ocasião não é esquecida, e a partir do próprio dia 14, até ao início do próximo mês, o cinema Nimas, em Lisboa, exibe algumas das suas obras mais icónicas, entre as quais os três filmes que trouxeram o realizador a Portugal.
Tudo começou com "O Estado das Coisas", rodado entre Lisboa e Sintra e que valeria ao realizador o Leão de Ouro de Veneza de 1982. A história de uma equipa de cinema abandonada pelo produtor, ficando sem dinheiro para terminar o filme. Wenders juntou-se assim a uma série de realizadores que veio filmar num Portugal onde ainda se respiravam os ventos da revolução, e que inclui nomes como o norte-americano Robert Kramer, o suíço Alain Tanner e o chileno exilado em França Raul Ruiz.
Wenders regressaria a Lisboa para filmar algumas sequências de um dos seus projetos mais ambiciosos, "Até ao Fim do Mundo", estreado em 1991. A rodagem levou-o a locais como São Francisco, Paris, Veneza, Moscovo, Sydney, Tóquio e Berlim. Na capital portuguesa filmou no que restava do mítico Cinema Éden, nas ruelas de Alfama ou no interior de um elétrico, com Amália Rodrigues. E se as cenas com a nossa eterna voz foram quase todas cortadas da cópia que então estreou, a versão do realizador que vai ser agora exibida retoma-as em grande parte.
Portugal não esqueceu o realizador alemão e convidou-o, sem que alguma polémica não tenha estalado, para o filme oficial de Lisboa - Capital Europeia da Cultura. Celebração do próprio cinema, com o ator fetiche de Wenders, Rudiger Vogler, como um engenheiro de som que deambula pela cidade, "Viagem a Lisboa" tem um momento icónico com Manoel de Oliveira a fazer uma deliciosa imitação de Charles Chaplin.
A obra de Wim Wenders estende-se por praticamente sessenta anos e inclui quase uma centena de títulos. Nenhuma história do cinema poderá ser escrita sem títulos icónicos como "Paris, Texas", "As Asas do Desejo" ou "Buena Vista Social Club". Como todos os grandes autores, a sua obra teve altos e baixos, momentos de grande reconhecimento e outros em que se sentiu abandonado, pelo público e pela crítica.
Mas o alemão teve sempre a capacidade de se reinventar e o sucesso global de "Dias Perfeitos", que levou a Cannes há dois anos e ainda ressoa na memória de quem o viu e se emocionou com esta singela homenagem ao espírito japonês é bem prova disso. A qualquer momento, Wim Wenders vai seguramente voltar a surpreender-nos.
Wenders estudara para ser médico, acabou os estudos de filosofia e foi para Paris com a ideia de ser pintor. Acabou por o ser, mas com uma câmara de filmar na mão. Fez várias curtas-metragens e depois da deriva filosófica de "A Angústia do Guarda-Redes Diante do Penalti" assina a primeira das suas muitas obras-primas, "Alice nas Cidades", onde marca como seu o território norte-americano.
Para muitos, "Ao Correr do Tempo", longo e melancólico filme de errância, é a sua obra maior, e "O Amigo Americano" ainda a melhor adaptação ao cinema do ciclo Tom Ripley de Patricia Highsmith. Wenders filma a morte de Nicholas Ray em "Nick"s Movie", é produzido por Coppola em "Hammett", homenageia o grande Yasujiro Ozu em "Tokyo-ga", ajuda Antonioni a terminar o seu último filme, "Para Além das Núvens"
"Paris, Texas", filme-culto de várias gerações, vale-lhe a Palma de Ouro de Cannes, filma vários vídeos para os U2 do seu amigo Bono, com quem escreve "O Hotel", volta a colocar a música cubana no mapa com "Buena Vista Social Club".
O filme vale-lhe uma das três nomeações para os Óscars, curiosamente sempre por documentários. Os outros foram para "O Sal da Terra", sobre o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado e corealizado com o filho deste, Juliano Salgado, e "Pina", filmado em 3D sobre a coreógrafa alemã Pina Bausch.
Não é de todo possível pensar na segunda metade da história do cinema sem nos cruzarmos com a obra de Wim Wenders. Nesta quinta-feira, dia 14, felicitemo-lo pelo seu aniversário.