Realizador de “Os Demónios do Meu Avô”, já nas salas de cinema, Nuno Beato fala sobre os desafios de concretizar a primeira longa-metragem portuguesa em 'stop motion'.
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O ano de 2023 está a ser o mais importante da animação portuguesa. Depois da nomeação para um Oscar da curta “Ice Merchants”, de João Gonzalez, estreou nos cinemas a primeira longa-metragem do género, “Nayola”, de José Miguel Ribeiro. Segue-se agora a primeira em 'stop motion', “Os Demónios do Meu Avô”, sobre uma jovem profissional que troca o stress da sua vida citadina pelo regresso à aldeia de origem, após a morte do avô. Fomos ao encontro do realizador, Nuno Beato.
Qual foi a dose de loucura necessária para se meter nessa aventura?
Uma dose de loucura que me vai perseguindo há uns anos, quando abro uma empresa, quando faço uma série, quando faço uma longa. Eu tento sempre desbravar caminho, porque o cinema de animação português merece, Há muita gente talentosa neste país, no cinema de animação, e muitos vão acabando por ir lá para fora, por falta da oportunidade em Portugal.
“Os Demónios do Meu Avô” é a segunda longa-metragem de animação portuguesa a estrear este ano. Temos capacidade para manter este ritmo?
Os autores e os técnicos portugueses já mostraram que sim, mas temo que do ponto de vista económico e da vontade política, o crescimento não seja a esse nível. Os passos que vamos dando são muito pequenos e somos constantemente ultrapassados por outros países que conseguem oferecer melhores condições para todos os profissionais. Espero que estes filmes possam despertar o interesse na animação portuguesa não só pelo seu valor autoral mas também como produto economicamente rentável.
Além destes filmes de longa-metragem tivemos uma curta candidata aos Oscars e Annecy já anunciou que em 2024 Portugal será o país em destaque. Não há aqui um sinal para os poderes públicos?
Há, mas as coisas acontecem de forma muito lenta. Felizmente para o ano parece que vamos estar em Annecy como país convidado e esse é um bom exemplo, porque se olharmos para trás, nunca tivemos um pavilhão no mercado a apoiar os produtores de cinema de animação, para procura de parcerias internacionais.
O que é preciso mais para manter este elã?
Precisamos de um forte investimento nas séries, que é o que segura a indústria e os profissionais, com trabalho de continuidade. Porque enquanto vivermos só da curta-metragem, que eu adoro e que sou fã, estamos a trabalhar com equipas muito reduzidas e sempre com amor à camisola. É muito bonito, mas também precisamos de comer.
Apesar da história ser muito portuguesa, tem uma componente universal…
A história é sem dúvida universal, mas está salpicada com a tal portugalidade, que é o que lhe dá alma, provavelmente. Se o Miyazaki vai buscar a cultura do Japão para colocar nas personagens, porque não podemos fazer o mesmo com a cultura portuguesa, que é tão rica também? Porque é que temos que ir copiar uma casa dos Estados Unidos, se temos aldeias fantásticas? Temos tanto material para trabalhar, porquê desperdiçá-lo, porque não vendermos também o que é nosso?
Como é que se articulou o trabalho com os argumentistas, nomeadamente colocando-lhes limites para o que seria possível fazer em animação?.
Eu escrevi uma primeira ideia inicial, um tratamento, que passei para as mãos do Possidónio Cachapa, que mudou tudo. Ainda bem, porque ficou muito melhor. E depois, numa fase final, passou para a Cristina Pinheiro, que deu um novo olhar e reviu muitos detalhes. No fundo, o Possidónio ia escrevendo o filme com palavras e ao mesmo tempo eu ia escrevendo com desenhos.
O filme já teve algum percurso internacional antes da estreia entre nós. Como é que tem sido a reação lá fora?
E interessante porque este lado português tem atraído muito as pessoas. Fazem muitas perguntas, se houve alguma história assim, se existe alguma lenda assim em Portugal. O público tem sido muito curioso. Já visitei com o filme países completamente diferentes, como o Japão, a Arábia Saudita ou o Canadá, e as pessoas relacionam-se com a história, emocionam-se. É bonito conseguir uma portugalidade tão universal.
Os números de frequência das salas de cinema não estão a ser fantásticos e continua o divórcio entre o público e o cinema português. Que estratégia tem para convencer as pessoas a irem ver o filme?
As pessoas devem dar uma oportunidade ao cinema de animação português, sobretudo depois do que demonstrou este ano. Deem-nos esta oportunidade, porque é a primeira vez que está a acontecer. E depois critiquem, falem mal, mas pelo menos vão ver. Acho que se vão surpreender, no bom sentido. Eu gosto de fazer filmes para o público, e este é um filme para o público, para a família.