David Bruno exibe "portugalidade" em "Tens-me na mão", álbum que comunica funcionalidades de um smartphone.
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"Quis ver em que medida é que as novas tecnologias potenciam ainda mais o chico-espertismo português". Foi este o desafio de David Bruno quando aceitou o convite da Samsung Portugal para criar uma série de músicas que comunicassem as funcionalidades da gama Galaxy. O resultado é "Tens-me na mão", álbum publicitário de cinco temas que o cantor e produtor não vê como "filho bastardo", apenas como um capítulo na sua obra diversificada e singular.
O propósito inicial era musicar tutoriais para funções como a partilha de ficheiros, a projeção de vídeos ou o controlo de dispositivos, mas o responsável pelas melodias do Conjunto Corona quis ir mais longe e concebeu uma narrativa com uma personagem, cobrindo-a com o seu universo de elementos kitsch e suburbanos - David Bruno chama-lhes "coisas portuguesas". Baseando toda a criação na ideia de "conforto", as faixas, e os vídeos associados, retratam um exemplar da mais recente estirpe de empreendedores - aquele que se lambuza nas tecnologias e pronuncia com ênfase "startup", enquanto garimpa o filão das criptomoedas. Não lhe faltam os adereços dourados, a t-shirt "cadeada" e os vitorinos estilosos. E, claro, tem a sua moradia e Mercedes em Mafamude - essa terra mítica para o autor de "O último tango em Mafamude".
"Não foi só pelo dinheiro"
"Usei uma ironia não muito corrosiva", diz David Bruno, que teve a sua proposta aprovada na Coreia do Sul, onde se encontra a sede da marca: "Gostava de ter sido uma mosca para ver que comentários é que os coreanos fizeram". Usando algum bom senso elementar, o cantor não sentiu constrangimentos no momento de fazer as músicas: "Se eles não quisessem arriscar nada, acho que escolhiam outro. Mantive o meu estilo habitual, procurando adaptar a sonoridade ao ambiente de cada função".
Sob o chapéu do "conforto", os temas vogam entre o lounge, o rap e os ritmos latinos, sempre cruzados pela guitarra de Marco Duarte. As letras não abusam da paródia, mas o tom de mofa nunca desaparece.
E preocupa-o que o considerem um vendido? "Já recusei outras propostas comerciais, porque não me acrescentavam nada. Quando surge um desafio que pode valorizar o que faço, e se também for bom para a marca, não vejo problema. Estes temas estão em linha com o que faço e, por esta via, consigo chegar a outros públicos. Não me envolvi só pelo dinheiro, até porque uma reputação leva muito tempo a construir, mas pode desaparecer num estalar de dedos". Para demonstrar que as considera tão dignas como quaisquer outras, o artista irá incluir algumas novas canções no alinhamento dos próximos concertos.
Música e publicidade, uma relação que se perde no tempo
Parcerias artísticas estão mais sofisticadas.
Desde os pregões cantados que a música se relaciona com a publicidade. Mas o primeiro encontro fixado deu-se em 1926, quando a marca de cereais americanos Wheaties foi publicitada pela rádio através de um jingle. O primeiro registo na televisão é de 1944 - uma canção patrocinada pela United Fruit Company, dos EUA: "Chiquita banana", com voz de Monica Lewis. As modalidades da relação diversificaram-se com o tempo. Nos casos mais frequentes, as marcas compram os direitos sobre uma determinada canção e associam-na a um produto, prática que envolveu um largo espectro de artistas ao longo das décadas, de Lou Reed a Lady Gaga. Menos comuns são as adaptações de temas já existentes a um anúncio específico, como a versão de "Billie Jean", de Michael Jackson, que incitava ao consumo da Pepsi.
Para todos os gostos
Há também temas criados de propósito para ajudar a comunicar uma marca, desde "Say, I could do with a Coke right now", de Tom Jones, em 1965, a "I"m lovin" it", de Justin Timberlake, para a McDonalds, em 2003. Houve algumas bizarrias, como o disco dos Sigue Sigue Sputnik, "Flaunt it" (1986), que vendia espaços comerciais nos intervalos das canções. Mas não é fácil encontrar paralelos com a proposta de David Bruno - um álbum inteiro com uma narrativa para fins comerciais. Em anos recentes, o mais semelhante terá sido "45:33", de James Murphy, peça musical concebida para a Nike que servia de banda sonora para o jogging. Com a estrutural diminuição das vendas de discos, poder-se-á ainda lançar o anátema de "vendidos" aos músicos que procuram na publicidade um retorno extra?