O primeiro dia do festival bracarense esteve integralmente a cargo de Derby Motoreta’s Burrito Kachimba.
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Numa entrega dedicada, meia-casa fez-se cheia e a banda sevilhana conseguiu levar nas recordações dois moches, um crowdsurfing e muitos coros. E ainda bem que, contrariamente ao nome do certame, este foi um festival de gente em pé.
Em cima do palco estavam seis homens – uns de caracóis perfeitamente definidos, outros de botas com glitter prateado, todos com uma presença marcante. O protagonismo da noite, reconhecido até pela própria banda, foi, no entanto, entregue fora do palco, àquela que poderá ser a mais jovem fã de Derby Motoreta’s Burrito Kachimba. E isso não diminuí a espetacularidade do que foi a noite de abertura do Festival Para Gente Sentada. Pelo contrário. É a prova que esta banda é um exemplo de generosidade, dedicação e entrega ao público.
Passamos a explicar. Podemos dizer que o comportamento de uma das duas crianças presentes na sala do gnration esta sexta-feira foi a metáfora perfeita da energia do próprio concerto. Há uma menina que entra pela mão do pai. Não tem mais de dez anos, enverga uma camisola dos Nirvana e vai demonstrando um misto de entusiasmo e vergonha, típico de quem vai a um concerto pela primeira vez.
Começa a tocar “Agua Grande” – faixa do novo disco com uma abertura orquestral poderosa – e a pequena assiste, para já, nas cavalitas do pai, ainda a meio da sala. Música ante música – sabendo todas do início ao fim – a jovem fã vai ganhando confiança e ora canta mais alto, ora agita os braços, ora grita em uníssono com o vocalista, Dandy Piranha. Ia o concerto a meio e já a víamos na primeira fila, pelo próprio pé, imitando (ou inspirando) os saltos que a banda dava em palco. Não havia como não reparar nela.
Conquistar a sala
Esta narrativa em crescendo foi o que se assistiu em palco. Dandy Piranha, Bacca, Gringo, Soni, Papi Pachuli e Macheta Carrasco, os seis elementos da banda natural de Sevilha, entraram sem pompa nem circunstância. Os aplausos iniciais foram poucos, numa altura em que a blackbox do Gnration ainda ia pelo terço, e por ali nos podíamos ter ficado.
Mas o vocalista, Dandy Piranha, provou o que se tem escrito internacionalmente. É um showman, um homem de cerimónias exímio, cuja energia e entrega – além do seu corte de cabelo encaracolado, as calças à boca de sino e a camisola de alças – fazem-nos viajar aos anos 1970. E não é só a performance que é digna de nota. A versatilidade presente no disco – e caraterística fundamental do próprio grupo – é assegurada em palco sem falhas. Dandy Piranha tão rapidamente nos emociona com um acappella próximo do flamenco como nos grita como uma verdadeira estrela rock.
Recordando a mais jovem fã de Derby Motoreta’s Burrito Kachimba, não foi ela a única que cantarolou todo o concerto. Momentos houve em que o microfone do vocalista se virou para o público e o público mostrou que sabia ao que tinha ido – cantando afinadamente os refrões de “La fuente” (já pertencente ao novo disco “Bolsa amarilla y piedra potente”), “Gitana” e “El salto del gitano”.
Festival para gente em pé
Ainda na primeira parte, Bacca, o guitarrista cuja cara ficamos por avistar por detrás do enorme cabelo que a cobria, cumprimentou o público e constatou o que alguns se deverão ter ficado a perguntar à entrada: “pelo nome do festival, esperava ver gente sentada, mas estou contente com este ambiente e por vos ter a todos de pé”. E este formato foi o que permitiu que os fãs obedecessem e, por duas vezes, abrissem espaço ao moche – que nem por numa meia-casa foi menos energético.
Acrescentando o crowd surfing do vocalista, já no final, a primeira noite do Festival Para Gente Sentada provou o que Catarina Soares, da organização, afirmava ao JN dias antes: uma casa esgotada não é condição exclusiva para uma boa edição. E esta não poderia ter aberto de melhor forma. Quem marcou presença esta sexta-feira, sabia certamente ao que ia. Os poucos que talvez não soubessem, só poderão ter ficado rendidos ao “kinkidelia” – expressão cunhada pela própria banda para descrever o misto que praticam entre flamenco, rock andaluz dos anos 1970 e psicodelia.
O Festival Para Gente Sentada prossegue esta tarde, pelas 18 horas, no Gnration, com os portugueses Máquina. À noite há Cuco e Hinds, no Theatro Circo, pelas 21.30 horas. O certame encerra amanhã, com o novo disco de Julia Holter, às 17 horas.