O Coliseu Porto Ageas recebeu este sábado, durante seis horas, o "Art liberates ball" dedicado ao voguing, um evento que pretende desenvolver a comunidade Ballroom no Porto e a sua presença no circuito internacional. Mother Nala Revlon & Piny 007, organizadoras, explicaram que "o Ball é uma celebração da beleza e da criatividade, um espaço onde seguimos honrando as raízes da nossa comunidade. Assim, damos vida a artistas e à sua arte, transformamo-la no nosso próprio discurso e corpo, para podermos continuar a criar e a reivindicar espaços com menos limites".
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Logo à entrada do Coliseu Porto Ageas e para que não existam dúvidas tudo é vívido. As maquilhagens são tecnicolor há brilhos, rosas fucsias, purpurinas; cabelos entrançados, amarrados, repuxados, flores exuberantes exóticas, coroas de louro prateadas, tudo é cuidado ao mais ínfimo detalhe.
Há muito couro e latex, há abraços daqueles que nos agarram à vida, saltinhos de contentamento, comprimentos de quase-que-tapa-o-rabo, transparências, tangas, intricados de rendas, pés como embutidos, atados em vertiginosos sapatos agulha, capazes de trespassar quem se queira atravessar no caminho, são empoderadas e ninguém as vai fazer descer do seu pedestal.
As pestanas em leque, capazes de criar tempestades e as unhas como navalhas, adornadas com borboletas, são igualmente mortíferas. Numa escala de luxúria eles querem ser 20 em 10.
Uma mesa de júri com sete lugares, como os sete pecados capitais ocupa o centro da arena, eles estão aqui para os contornar a todos, ou pelo menos alguns. Há muitas taças para ser entregues. A música alta acicata o ânimo do público, e a palavra "Legendary" ecoa repetitivamente em eco. No público discutem-se as categorias, OTA European Runway e FF Siren parecem as mais desejadas.
Há muitos gestos dramáticos de mãos acompanhados de golpe de pescoço, entre a plateia, mesmo quando se está fora da prova (aqui alguma vez se está?). Na porta perguntam: "Quem vem participar?" Não é clara a distinção, todos estão a ver e a ser vistos.
Há muitos espanhóis, ou pelo menos fazem-se ouvir mais, berram o tempo todo: "Guapa, te quiero", já se sabe que não há povo com mais capacidade de puxar pelo ânimo dos demais. Pedro veio de Jaén, mas insiste que aqui, quando está vestido no seu personagem, um capuz prateado e um rabo de cavalo verde, gosta de ser chamado de "Tata". A sua amiga "SuperMari" ataviada num vestido cut out vermelho, tem tanga e a botas a jogo, e diz-nos que no dia de hoje :"Tudo lhes dá igual".
O DJ grita "Let"s get really crazy" e o público responde de braços no ar. Mother Nala, uma espécie de deusa da fertilidade, a brilhar em prateado, explica as regras: "gritar e warming no show". Explica o movimento do braço "Bend", a todas as pessoas que nunca estiveram num ball, o que fica claro que são várias, quando o pergunta à audiência. E deixa um alerta: se és homofóbico ou transfóbico fora! Este lugar não é para ti".
A chegada do júri feita por anúncio e com um desfile capaz de fazer deslocar um quadril ou uma clavícula é impressionante, sacodem o cabelo para trás, algum verdadeiro, outro artificial, fazem um ligeiro twerking e atiram-se como quem desmaia, para logo se recompor. Há olhares que matam, olhares que arrastam os outros consigo e no final sempre um rematezinho de desprezo. Maravilhosos.
Balenciaga, Armani, Versace, Cavali, Yves Saint Laurent são os apelidos mais comuns, afinal são todos saídos da capa da Vogue, edições de anos e estéticas distintas, mas aí reside a beleza da mostra.
Manuel veio com a irmã ver o filho competir, parece muito sóbrio para tudo o que ali se passa. Diz, entre dentes, que demorou algum tempo a aceitar o que chama de "veia artística", mas, não fraqueja no maravilhamento: "Já viu, isto realmente parece Hollywood". E parece.
É uma alegria, que haja um dia e um lugar onde todas as pessoas possam ser quem querem ser, e em que o triunfo do postiço possa ser afinal o triunfo da verdade.