É apenas o início de um processo que se prevê ainda longo, mas que cumpre uma pretensão antiga: a classificação da obra de José Afonso como Património Móvel de interesse nacional.
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A confirmação surge ao cabo de mais de um ano de negociações com os herdeiros e resulta de uma estreita colaboração com o Arquivo Nacional do Som, permitindo assim que, pela primeira vez, a Direção-Geral do Património Cultural inicie a classificação de uma obra fonográfica.
"Com este processo, inaugura-se um tempo muito importante para o património sonoro português. A partir deste momento, podem abrir-se processos de classificação deste género patrimonial", afirmou a ministra da Cultura ao JN, destacando o simbolismo da escolha do autor de "Cantigas de maio".
O início da classificação do acervo de Zeca Afonso como Património Móvel, que será hoje anunciado pelo Governo (amanhã assinalam-se os 91 anos do nascimento do artista), vai ao encontro da vontade inscrita numa petição dirigida a Graça Fonseca e que, há um ano, exigia que a sua obra fosse declarada como "interesse cultural relevante".
A promotora da iniciativa foi a Associação José Afonso, que, através de João Madeira Lopes, vogal da direção, se congratulou com a decisão ministerial: "É um passo importante para a salvaguarda das suas edições e eventual apoio das reedições". O músico João Afonso, sobrinho do cantautor, considerou também "fundamental" a classificação, como forma de assegurar a preservação da obra.
O processo de classificação inclui ainda outros trâmites legais, como a audição de especialistas ou a consulta pública. "Sem certezas absolutas" sobre o tempo que será necessário, o responsável do Arquivo Nacional de Som avança com um período "nunca inferior a um ano, se tudo correr bem".
"Masters" polémicas
A criação do Arquivo Nacional de Som, há um ano, foi o primeiro passo. Responsável desta estrutura, o etnomusicólogo Pedro Félix explica que, embora a lei já previsse o enquadramento de obras fonográficas, "não existia ainda o instrumento para permitir esta descrição". Por isso, ao longo do último ano, foi desenhado um instrumento técnico para as obras fonográficas.
O processo, "complexo", segundo Félix, consistiu numa primeira fase na identificação das unidades da obra de José Afonso. Segue-se a verificação dos documentos que existem, durante o qual "se irão avaliar os suportes onde a informação está mais fiel ao seu original", sustenta a ministra.
É nesta fase que se vai procurar saber o destino das "masters", as gravações originais do músico, alegadamente desaparecidas. A dúvida sobre a sua necessidade, todavia, permanece. "Com a tecnologia atual, é perfeitamente possível fazer novas gravações de qualidade sem o original", defende o fundador da Discos Orfeu, Arnaldo Trindade, para quem tudo se resume a uma questão da titularidade dos direitos da obra.
"Este era um processo de simples resolução, cuja demora se deve apenas à inação do Ministério da Cultura. Se o principal credor da Movieplay (herdeira da Orfeu) é o Estado, bastava fazer transitar os direitos", propõe o empresário portuense. A mesma posição quanto à inutilidade das "masters" é reiterada pelo histórico produtor José Fortes, que classifica a insistência nesta questão como "a arrogância da ignorância".
Partituras editadas
A par da reedição dos discos, João Afonso considera ser também "muito importante" a reunião em livro das suas partituras. O JN apurou que a Associação José Afonso está a ultimar esse projeto e prevê o lançamento do livro nos próximos meses.