Victoria Guerra, Nuno Lopes e Ana Sofia Martins dão voz a “Os Demónios do Meu Avô”, filme realizado por Nuno Beato já em exibição. O JN esteve à conversa com eles.
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Já em exibição nas salas de todo o país, “Os Demónios do Meu Avô” é o primeiro filme de longa-metragem na técnica de stop-motion. O grande sucesso artístico do filme deve-se ao génio do realizador Nuno Beato, veterano da animação portuguesa, e da equipa de que se rodeou. Mas, como sempre nos filmes de animação, há atores por detrás das personagens centrais, a quem dão voz.
Neste caso, também nesta área não se poupou no investimento criativo e é Victoria Guerra que dá voz à personagem de Rosa, uma jovem bem sucedida profissionalmente mas que deixa a cidade para se dirigir à aldeia da família, em Trás-ós-Montes, após a morte do avô, confrontando-se com os seus “demónios”, figuras inspiradas nas criações de Rosa Ramalho. A seu lado no elenco de vozes estão também Nuno Lopes e Ana Sofia Martins. Alguma da nata do cinema e da televisão entre nós, com quem estivemos a conversar.
A questão que se coloca a um ator, quando faz este trabalho de voz, é ter de deixar de representar com todo o corpo. Pelo que os atores nos disseram, nem foi bem assim em “Os Demónios do Meu Avô”. Victoria Guerra explica-nos como foi. “Eu nunca tinha trabalhado com a voz desta forma. Já tinha feito animação para videojogos, mas é completamente diferente. Neste caso, foi mesmo dar voz a uma personagem, mas começamos por um trabalho físico, porque a fisicalidade dá coisas à voz.”
“Nós também interpretámos com o corpo todo”, confirma Ana Sofia. “Tivemos uma preparação com a Joana Brandão, que fez o trabalho de realização a nível de voz e nos dirigiu. Trabalhámos com o corpo todo, trabalhamos a respiração, o movimento, os tempos, que é muito importante num filme deste. Depois, o que aparece é só a voz, mas lá atrás está o corpo inteiro. Foi muito bom poder trabalhar tendo este tempo e desta maneira.”
Mais habituado a dar voz a personagens, Nuno Lopes também ficou surpreendido com a abordagem utilizada neste filme. “Fizeram uma coisa muito engraçada que foi não nos separarem. Fizemos as cenas em conjunto como se estivéssemos a filmar, e isso traz uma vida que não traria de outra maneira.”, diz-nos. “E depois deram-nos liberdade para podermos improvisar e inventar coisas, e quando nós estamos a representar um com o outro, na verdade, estamos a usar o corpo mesmo, é como se tivéssemos a representar normalmente.”
Quando se pergunta a um ator ou a uma atriz se gostaram de se ver no ecrã, muitas vezes a resposta é negativa. Qual será a reação de atores experimentados ao verem-se no “corpo” de um boneco? “Ainda não vi a longa-metragem, mas comecei a ver o boneco a ser construído e adorei. E o trabalho que é feito”, elogia Victoria Guerra. “.Gostar ou não de nos vermos, faz parte. Eu também provavelmente não vou gostar de ouvir a minha voz, Mas tenho um respeito tão grande pelo trabalho que eles fizeram, ver o trabalho que aquelas pessoas tiveram, a construir tudo...É absolutamente incrível.”
Quando conversámos, Ana Rita também tinha visto apenas o trailer. “Mas gostei que a Laura fosse parecida comigo fisicamente”, diz, “Tem um cabelo parecido com eu, também tem sardas, tem um sorriso largo. Depois percebemos que dá para tirar a cara da figura e há um esqueleto por debaixo, o que também a humaniza.”
Quanto a Nuno Lopes, simplesmente adorou. “Sempre que faço uma personagem, tenho uma imagem visual na minha cabeça, que não tenha a ver comigo, e o que é dececionante é que, quando vou a ver ao cinema, não deixa de ser eu, é sempre a minha cara e o meu corpo”, explica-nos. “Aqui foi ao contrário, dão-te um boneco, tu tens uma imagem visual que não tem a ver contigo imediatamente e depois, quando vais ao cinema, é realmente diferente, e isso é muito positivo.”
Victoria Guerra, uma das almas por detrás de “Os Demónios do Meu Abô” mostra-se muito satisfeita com o filme. “Eu gosto muito de filmes de animação. Há sempre um lado poético e mágico. E este tem a particularidade de ser muito português. Há uma portugalidade muito forte. Eu sou de Algarve, apesar de ser de uma cidade, sou de Loulé. Mas também saí muito cedo para ir estudar. Consigo identificar-me muito com a Rosa. Quando regresso a casa, acho que o tempo é outro.”
A jovem atriz não tem dúvida sobre a relação que os espetadores podem vir a ter com este filme. “Acho que as pessoas, em geral, vão se identificar muito com este filme e com esta Rosa”, acredita. “Principalmente nos dias de hoje, come os computadores, o sucesso, o trabalhar fora de horas..Está-se a ultrapassar os limites e falam-se cada vez mais sobre o burnout. Há este lado muito português, das cores, das paisagens, da união, das pessoas da aldeia,este lado comunitário, de entreajuda. E depois, temos este mundo imaginário dos demónios do avô, a partir da Rosa Ramalho, que é fantástico.”
Fazer parte da aventura de fazer um filme de animação em stop motion em Portugal vai ficar para sempre na memória da atriz. “Tenho mesmo muito orgulho naquilo que o Nuno Beato e toda a sua equipa fizeram. Manter este lado português em stop motion é de uma grande coragem”, conclui.
Ana Sofia também acredita que as pessoas vão identificar-se muito com a sua personagem. “A Laura de mim tem um lado muito forte, é muito determinada, de não baixar os braços. Acredito que as pessoas vão chegar lá. É mãe solteira, vive numa aldeia, é uma mulher que faz parte de uma minoria, é uma mulher negra, logo aí há algum fator de identificação.”
Mas a atriz clarifica também algo que a distingue da personagem. “A Laura é uma mulher muito calma, muito ponderada, que é tudo o que eu não sou. Para a interpretar tive de reduzir algumas mudanças, porque ela vive num ritmo que eu não vivo. Também é muito atraente para o público perceber as duas velocidades do filme, a velocidade da cidade e a velocidade da aldeia.”
A atriz confessa ser também fã de animação. “Eu sempre fui viciada em televisão, dia todos os desenhos animados ao fim de semana começavam às sete da manhã e eu já estava à frente da televisão, Vi os filmes todos da Disney, eram as histórias com que mais me identificava. Fazem parte do nosso imaginário.”
Nuno Lopes tem uma ideia muito precisa em relação à animação. “Acho a animação sempre extraordinária”, admite. “Mas acho muito estranha a separação que se faz entre a animação e o cinema, como se fosse uma classe à parte, Eu acho que é exatamente a mesma coisa, mas feita de maneira diferente. Há de facto uma técnica diferente, e tem uma magia muito especial”, refere,
O ator mostra-se muito satisfeito por ter participado neste projeto. “Mas sobretudo por ser uma história que é universal, que nos fala de perda, mas também profundamente portuguesa”, diz-nos, “Há um sentimento profundamente português no filme, que é muito raro encontrarmos, para mostrarmos aos nossos filhos, aos nossos netos. Estamos sempre a lidar com referências americanas ou inglesas e de repente poder trazer a minha sobrinha ao cinema e vê-la reconhecer-se na terra daquela pessoa, na terra da avó, é muito especial.”