Novo disco de Paulo Praça, "Onde" é um postal sonoro em forma de coração. O destinatário é Vila do Conde, a terra onde nasceu e à qual volta sempre, mesmo que a sua casa seja uma mala, como diz.
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Se, há menos de um ano, dissessem a Paulo Praça que iria conseguir reunir no mesmo disco os contributos de Fausto Bordalo Dias e José Cid, duas das suas maiores referências da música portuguesa, "provavelmente não acreditaria".
"Quando recebi a notícia, senti que a partir daí tudo seria possível", recorda.
Depois de, nos primeiros discos, ter contado com a colaboração de Ana Deus, Rui Reininho, Mónica Ferraz e Catarina Miranda, o fundador de projetos como os Plaza voltou a apontar alto na gravação de "Onde", ao convidar "dois inestimáveis tesouros da nossa mais profunda fascinação", como escreveu Valter Hugo Mãe no prefácio da obra.
Se a parceria com Cid estava já definida desde a ocasião em que se cruzaram há um par de anos nos bastidores do Festival RTP da Canção, com Fausto a história foi bem diferente. Não só porque nem se conheciam pessoalmente, como o autor de "Por este rio acima" raramente costuma participar em discos de outros músicos. O e-mail que enviou a apresentar-se e a desafiar Fausto para cantar consigo na adaptação musical de "O romance de Vila do Conde" ficou sem resposta durante tantos meses que Paulo Praça já tinha perdido as esperanças. Até que o ansiado "sim" chegou, despertando uma reação fortemente emotiva no músico vilacondense. No dia da gravação, Praça confirmou o que sempre suspeitava: "É muito minucioso no que faz e tremendamente exigente".
Mas a participação de Fausto e Cid não é o único "pequeno grande milagre" de "Onde" o seu mais recente trabalho discográfico. A dezena e meia de músicas e os textos e poemas de autores como José Régio, Ruy Belo, Valter Hugo Mãe, Jorge Cruz foram reunidos num objeto gráfico de eleição, em que não falta sequer um ensaio fotográfico de Cesário Alves.
Razões para que tenha um orgulho particular num disco que, afinal, também é um livro e deu origem a um videodisco. "A palavra tem um papel tão importante que fiz questão que os poemas não figurassem apenas, como é habitual, no 'inlay'", explica, frisando o papel "fundamental" que a Câmara de Vila do Conde e a Sociedade Portuguesa de Autores ao apoiarem o projeto.
Pandemia produtiva
As origens do disco remontam ao final do ano passado, quando o músico e compositor teve a ideia de musicar o conhecido "Romance de Vila do Conde", de José Régio. Em poucas semanas, desafiando escritores e amigos, reuniu um naipe de poemas cujo denominador comum é Vila do Conde.
Apesar das viagens permanentes que o levam a dizer que "a minha casa é uma mala", a ligação de Paulo Praça a Vila do Conde sempre foi estreita. Mas nos últimos anos essa ligação solidificou-se. Em parte, porque "quanto mais mundo conheço, mais valorizo o que a minha terra me dá".
Quando a covid 19 se alastrou e tornou utópico o que dávamos por adquirido, fosse uma ida normal ao cinema ou teatro, o antigo vocalista dos Turbo Junkie ou Grace tinha acabado de lançar "Um lugar para ficar".
A promoção do disco foi subitamente interrompida, com muitos concertos cancelados ou suspensos, e Paulo Praça viu-se em casa. Mas não sem nada para fazer. A ideia de fazer um disco em que o protagonista fosse Vila do Conde ganhou rapidamente forma, adquirindo uma dimensão que não julgava possível.
Com dois discos lançados em pouco mais de um ano, Praça atravessa uma fase particularmente criativa.
Mas a grande diferença, aponta, é o foco maior que agora diz ter sobre o ato criatvo: "Sou indisciplinadamente disciplinado. Divido-me em várias áreas. O que mais me fascina é compor, mas também gosto de produzir".
Esse equilíbrio recente que alcançou é também resultado do contacto próximo com músicos como Quico Serrano, Pedro Abrunhosa (com quem toca no Comité Caviar) ou os irmãos Simão e Domingos, mas também Brian Eno, o lendário músico com quem privou durante mais de um mês na gravação de "Altar", dos Gift, cuja divisa é a de que "somos tão bons como a coleção de discos que temos".
"Sinto que carrego comigo o melhor de todos eles. É como se tudo o que fiz e todas as experiências que acumulei desaguassem no presente, no que estou a fazer agora", afirma, pleno de entusiasmo.