<br/> "Eu adoro a ideia de que as ideias coreográficas vêm quando estamos deitados, quando estamos quase a dormir e quando estamos sonolentos"... é com este texto que Boris Charmatz, coreógrafo francês, nos dá as boas-vindas a "Somnole" ("Sonolento") , o seu solo que chega esta terça-feira ao Festival Dias da Dança.
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O solo sonolento, inteiramente assobiado, é uma homenagem à criança que foi, assobiando trechos de música aleatórios, clássicos na sua maioria. Com esta etapa completa metas que nunca tinha cumprido na sua profícua carreira, que torna surpreendente o facto de ter apenas 49 anos, tanto que é o tempo que nos lembrámos de o ver. As coreografias grupais sempre foram o seu mote, ao ponto de se ter dado conta de que nunca tinha feito um solo, algo que concretiza agora, encerrando um capítulo antes de se tornar, em setembro próximo, o novo diretor do mítico Tanztheater Wuppertal Pina Bausch. Aí lançará, com [terrain], o seu projeto coreográfico, um novo ciclo entre a França e a Alemanha.
"Quero reforçar esta ligação franco-alemã, desenvolver parcerias e uma cooperação europeia descentralizada. Com um novo espírito, por que não imaginar que o trabalho de Pina Bausch e nosso futuro trabalho com o Tanztheater Wuppertal também fazem parte da França?", espicaçou.
Um caminho pela ironia fina
"Herses, une lente introdution", de 1997, foi uma das primeiras obras que apresentou em Portugal, já à época apresentava uma obra provocatória sobre o confronto com a utopia, na vida, nas relações e na sociedade.
Esse humor sarcástico manteve-se até às obras mais recentes que apresentou, em Portugal, como "Manger" (2017), ou "10000 gestes" (2020) em que se propunha a catalogar este imenso número de gestos que seriam executados apenas uma vez, sem que pudessem ser repetidos. Usando a máxima do palco como um bloco de notas onde se desenham conceitos orgânicos concentrados para "observar as reações químicas, intensidades e tensões engendradas pelo encontro".
Entre 2009 e 2018, foi o diretor do Musée de la danse / Centre chorégraphique national de Rennes et de Bretagne. Em 2011 foi o artista associado do Festival de Teatro de Avignon, e criou "enfant" uma produção que envolveu 26 crianças e nove dançarinos adultos e que foi reencenado, em 2018, no Volksbühne, com um grupo de crianças de Berlim.
Convidado para o Musem of Modern Art, em 2013, Boris Charmatz encenou "Musée de la danse: Three Collective Gestures#, um programa de três partes realizado no museu ao longo de três semanas. Boris Charmatz esteve também na Tate Modern, em Londres, em 2015, onde apresentou " If Tate Modern was Musée de la danse?" O espetáculo incluiu versões alternativas dos projetos coreográficos "À bras-le-corps"; "Levee des conflits"; ou "expo zero"; entre outros.
Nesse mesmo ano, abriu a temporada de dança na Ópera Nacional de Paris, com "20 danseurs pour le XXe siècle", e convidou 20 bailarinos do Ballet para realizar solos do século XX, em espaços públicos.
Charmatz é ainda autor de vários livros, incluindo "Entretenir: à propos d"une danse contemporaine" (Centre national de la danse / Les presses du reel, 2003), em co-autoria com Isabelle Launay; "Je suis une école" (Editions les Prairies Ordinaires, 2009; e "Emails 2009-2010" (Les presses du réel, em parceria com o Musée de danse, 2013), em co-autoria com Jérôme Bel.
Os anos de [terrain]
Em janeiro de 2019 lançou [terrain], uma associação estabelecida na Região Hauts-de-France e em parceria com a Phénix, scène nationale de Valenciennes, Opéra de Lille e Maison de la Culture d"Amiens, com a que tem trabalhado. Mas os convites não cessaram, foi também artista associado de Charleroi danse (Bélgica) durante três anos (2018-2021).
Em 2020, o Festival d'Automne à Paris propõe o "Portrait Boris Charmatz" com obras do seu repertório e novos projetos e para o efeito criou "La Ronde" para o evento de encerramento do Grand Palais, uma performance coletiva de 12 horas e tema de um documentário. Em 2021, abriu o Manchester International Festival com "Sea Change", uma peça de dança com 150 dançarinos amadores e profissionais.
Com tamanho currículo não surpreende que esteja sonolento e mesmo nesse estado será imperdível.
Somnole, de Boris Charmatz, Teatro Carlos Alberto, dias 26 e 27, 19 horas