Uma das grandes esperanças do cinema francês de hoje, ator é o protagonista de “Yannick”, já nas salas nacionais.
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Numa sala de teatro de Paris, assiste-se à representação da peça “O Cornudo”. Insatisfeito com a qualidade do espetáculo, um espectador levanta-se, indignado, acabando por tomar conta da ocorrência. “Yannick” é um dos mais recentes trabalhos de Quentin Dupieux, um dos realizadores franceses da atualidade mais irreverentes, bizarros e prolíferos. Pelo seu trabalho neste filme, Raphaël Quenard foi nomeado para o César de Melhor Ator, acabando por vencer noutra categoria e com um outro filme, como Melhor Esperança Masculina. Foi o ator que nos falou do filme e do seu trabalho.
Como é que se integrou no universo de Quentin Dupieux?
Sou um fã incondicional. Com o meu irmão, víamos todos os filmes do Quentin. Não parávamos de rir, a rebolar no sofá, o que é muito raro no cinema. Tenho imensas memórias com o meu irmão de vermos os filmes dele.
O que aprecia mais no cinema de Dupieux?
A radicalidade. O facto de ser completamente diferente. Ao fim de dois planos já sabemos que é um filme dele e de mais ninguém. Mesmo na composição da imagem. Tudo é pessoal. Os temas que ele aborda, os diálogos, geniais. É alguém com uma capacidade extraordinária para escrever diálogos. É um artista visionário que tem um estilo próprio. É alguém de tão livre, de tão singular. É uma oportunidade de sonho trabalhar com ele, de fazer um filme com um cineasta com ele.
Ao ler o guião, já se sente que foi escrito por ele?
Claro que sim. Nada está a mais. Vai direto ao assunto. O Quentin é muito apegado ao seu texto. Não há improvisação, se acontecesse, queria dizer que nos estávamos a afastar do sentido global do filme. É ele que dá o tom ao filme. Ele devia ter sido ator, porque no guião dá-nos logo o sentido que quer dar à representação. Sentimos logo na escrita que ele sabe como o ator deve interpretar a cena. É alguém de muito refinado.
De onde é que vem esta personagem?
Eu tinha um pequeno papel em “Fumar Causa Tosse”, que passou em Cannes, à noite, fora de concurso. Como as pessoas reagiram bem à minha cena, na festa que houve a seguir o Quentin disse-me: 'Raphael, vou escrever um filme para ti'. E no caminho para casa, de carro, ouviu uma emissão radiofónica sobre teatro. E foi aí que teve a ideia de um filme sobre um espectador indignado com a mediocridade da peça a que assistia.
Quando é que lhe apresentou o guião?
Cannes foi em maio, a meio de junho já o tinha escrito. Ele é uma pessoa muito concentrada, não se dispersa, vive isolado algures no sul. É uma máquina de trabalho. E queria voltar a um modelo de produção como que pirata. Já é o seu décimo segundo filme. Consegue financiamentos, todos os canais de televisão o conhecem, mas queria voltar a um modelo em que se filma em segredo.
Como é que decorreu a filmagem?
Foi filmado em apenas seis dias. Na verdade, fez este filme quando estava a preparar outro. Os financiadores do outro filme nem sabiam, caso contrário ficavam inquietos. Fez tudo em segredo, com o dinheiro dos produtores. E mesmo a estreia, quis que tivesse o germe da pirataria.
Parece que foi um sucesso em França…
Estreou a 1 de agosto, eram as férias, havia a “Barbie” e o “Oppenheimer” e mesmo assim foi em frente. E passou-se muito bem, fez 450 mil espectadores. Bateu mesmo o recorde de entradas dos seus filmes. E continua nos cinemas, vai passar do meio milhão de espetadores.
Já algum vez teve vontade de sair a meio de uma peça de teatro ou de um filme?
Eu não sou assim. Mesmo quando não gosto, não consigo ir-me embora. Estou sempre à espera que haja uma música ou uma frase que me vão agradar. Quando me meto numa coisa, vou até ao fim, não seria capaz de fazer o que o Yannick faz no filme.
Diria que a comédia é o seu género preferido?
Adoro fazer comédia. Gosto de me divertir com as pessoas. E também é um desafio. No drama não há um desafio tão grande para encontrar o ritmo e o tom certos, como na comédia. A comédia tem uma musicalidade… O drama é menos explosivo. E dá mais prazer quando fazemos uma piada e as pessoas riem. Mesmo quando se filma, a equipa ri-se. É como a maionese. Ou está no ponto ou não está.
Apesar de ainda ter uma carreira curta, nota-se que intercala filmes de grande público com filmes de autor, como Bonello, Audiard, Dupieux…
Por vezes são filmes em que tenho um papel muito pequeno. O meu objetivo é encontrar trabalho e fazer filmes. Não tenho ainda a possibilidade de escolher. Mas sinto que tenho tido a sorte de trabalhar com realizadores de alguma envergadura. A minha escolha é mais instintiva. Penso sobretudo no potencial do filme e do meu papel. E da história, se a história me faz sonhar. Imagino-me como espetador, se teria vontade de ver aquele filme.
A sua carreira vai dar um salto, agora com os César…
Vamos ver, é preciso encontrar os bons filmes. Neste momento tenho algumas propostas, mas é preciso escolher bem. Por vezes querem-me num filme, mas nem me conhecem pessoalmente. Como com o Quentin, prefiro quando os realizadores já me conhecem, e sei que me posso dar bem com eles.
Este é um bom momento para um jovem ator, em França?
Este ano houve tantos bons filmes em França. “Anatomia de uma Queda”, “Reino Animal”, “O Livro das Soluções”… e tantos outros. Enquanto espetador, são filmes extraordinários. É um prazer muito grande estar aqui.