Realizador Bruno Gascon fala de "Sombra", sobre uma mãe a quem o filho desaparece. Uma narrativa que evoca a história de Rui Pedro.
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Ana Moreira é Isabel, uma mulher a quem, em 1998, desaparece o filho Pedro, de 11 anos. Inspirado em casos semelhantes, o filme lembra a história de Filomena Teixeira e do filho, Rui Pedro, que hoje teria 34 anos e que ela não desistirá de tentar encontrar. Depois de "Carga", sobre o tráfico de seres humanos, Bruno Gascon, que estudou cinema nos Países Baixos, assina com "Sombra" a segunda longa-metragem.
Quais foram as principais dificuldades que enfrentou no desenvolvimento deste projeto?
Foi fazer passar o realismo que era necessário, com a sua crueza, mas também a força de vontade e energia por que aquelas pessoas passam no dia a dia. Acima de tudo, quis que o filme fosse o mais realista possível. E o mais difícil foi mesmo passar para filme o misto de emoções que a história contém.
Até que ponto é que se colou, ou se tentou afastar, do caso do Rui Pedro?
Falei com várias famílias. Mas não nego que uma das principais influências foi o caso do Rui Pedro e a história da Filomena. Só que mais do que me colar à história do Rui Pedro, o que me interessava era mostrar a luta diária destas pessoas em busca dos seus filhos. Uma realidade que normalmente não se mostra, a não ser no sensacionalismo das televisões, das reportagens e das entrevistas.
O seu filme evita precisamente e até critica esse sensacionalismo. Era uma das grandes armadilhas a evitar?
Era, claro. Até porque quando falei com as famílias foi tudo esclarecido. Sabem que o filme existe, sabem o que se passa no filme. Tentei mostrar esta realidade, mas respeitando sempre as famílias, não querendo criar qualquer sensacionalismo à sua volta.
No caso da Filomena, não sentiu resistência a este projeto?
O que estas famílias pretendem é que não se esqueçam da história dos seus filhos. Todas continuam à procura e têm sempre a esperança que os filhos apareçam. Não senti obstáculos por parte de nenhuma família.
É impossível dissociar "Sombra" do desempenho enorme de Ana Moreira. Ela também fez esse trabalho com as famílias?
Quando tive a ideia do filme, surgiu a oportunidade, através da APCD, a Associação Portuguesa de Crianças Desaparecidas, de falar com algumas dessas famílias. Já havia uma base no guião, que foi sendo moldado em função do que elas me diziam. Quando surgiu a Ana Moreira, fui-lhe explicando o que queria da personagem. Mas acabei por a levar a ver algumas dessas famílias. E ela percebeu, pelo contacto com as pessoas, onde é que queríamos chegar.
Depois do filme estar terminado, mostrou-o às famílias com quem tinha conversado?
Como quis ser respeitoso para com elas, mostrei-lhes o filme antes de mais alguém o ver. Sempre com o coração nas mãos, sem saber o que iriam pensar. O que me disseram, basicamente, é que era duro, era cru, mas era a realidade.
O filme denuncia alguma inércia das autoridades nacionais e internacionais que investigaram alguns destes casos.
Há um trabalho enorme a fazer, em Portugal e na Europa, para que estes casos deixem de existir. Hoje, ao contrário de 1998, existem redes sociais, que ajudam um pouco a passar a palavra. Mas falta um conhecimento maior para que se possa encontrar rapidamente as crianças. Nos Estados Unidos existe um mecanismo chamado Amber Alert: quando desaparece uma criança, toda a gente recebe uma mensagem no telemóvel com a descrição da criança, o que tinha vestido, onde estava. Isso acaba por mobilizar a sociedade civil.
Acha que as pessoas vão à espera de descobrir algo sobre estes casos quando forem ver o filme?
As pessoas vão tentar entender o que se passa por detrás da história que conhecemos. Todos estamos a par das histórias da Maddie McCann e do Rui Pedro. Mas só conhecemos o que as televisões mostram. O que tentei mostrar é o que está por detrás das câmaras. Como é que essas pessoas arranjam forças para se levantar e ir trabalhar.