Sessenta mil pessoas testemunharam, a 10 de junho de 1990, a estreia dos Rolling Stones em Portugal. O concerto foi tão aguardado pelo público que, segundo contava o JN na edição do dia 12, três horas antes do início "o público já ocupava os seus lugares". "Gente de todas as cores, idades e estaturas", formando uma "multidão indefinível", acorreu ao anfiteatro leonino sem esconder o caráter especial da ocasião. Os bilhetes, que custavam desde "seis contos e quinhentos" (32,50 euros), esgotaram num ápice e atingiram valores bem mais obscenos no mercado negro.
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Profissionalmente irrepreensível, o quinteto britânico tudo fez para que o momento perdurasse na memória coletiva.
"Às dez horas em ponto, quando o céu acabava de se cobrir de negro, Mick Jagger atravessou o gigantesco palco a cantar "Start me up". O público ergueu-se num grito de "sejam bem-vindos" e acendeu os milhares de isqueiros em Alvalade. Até nos telhados dos prédios em redor do estádio se viam minúsculas chamas amarelas de "crickets", que não devem ter durado mais do que a noite de domingo", escreveu o jornalista de serviço.
"Olá, é bom estar em Lisboa com vocês!", atirou Mick Jagger, num português bastante aceitável, logo no final do primeiro tema, para gáudio da assistência.
Se o público estava enérgico, o vocalista não ficava atrás. "Sempre aos saltos, a correr de um lado o outro do palco", Jagger saboreava cada tema com um entusiasmo juvenil. O guarda-roupa também impressionou os presentes, com as constantes mudanças de adereços a não passarem despercebidas.
Na plateia, segundo contava o JN, havia quem lembrasse de forma sarcástica aqueles que se recusaram a ir ao concerto porque "não estavam para ver um velho aos saltos". "Quem me dera a mim ter alguma genica", dizia uma espectadora.
Durante duas horas, o público pediu de forma incessante "Satisfaction". O grupo foi ignorando os apelos até onde pôde, guardando a surpresa para o final, para delírio coletivo.
"Depois, os Stones fizeram uma vénia e desapareceram. Sessenta mil vozes chamaram-nos em vão. Veio o fogo de artifício e a multidão começou a descer o Campo Grande", relatou o jornalista.
O que a multidão desconhecia é que o concerto esteve quase a ser cancelado. Motivo: a falta de pagamento dos direitos à Sociedade Portuguesa de Autores, que exigiu uma verba de 14 430 contos (um pouco mais de 70 mil euros). A situação só seria desbloqueada quase em cima da hora do espetáculo.