Ryusuke Hamaguchi, realizador de "Drive my car": "O meu foco principal é sempre o emocional"
Entrevista com cineasta japonês autor de filme candidato a quatro Oscars.
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Candidato a quatro Oscars, entre os quais os de Melhor Filme Internacional, mas também de Melhor Filme do ano, "Drive my car" de Ryusuke Hamaguchi começou o seu percurso no Festival de Cannes, onde venceu o Prémio de Melhor Argumento. Baseado num conto de Haruki Murakami, o filme acompanha um ator e encenador de teatro que perdeu há pouco a esposa, convidado a dirigir uma versão de "Tio Vânia" em Hiroshima, e a sua progressiva relação com a jovem motorista que o conduz à cidade. Ainda em Cannes, o realizador de "Asako I & II" e "Roda da fortuna e da fantasia" falou ao JN.
Depois de "Roda da fortuna e da fantasia" em Berlim, "Drive my car" em Cannes...
Fazem-me muitas vezes esse comentário, de que faço muitos filmes em pouco tempo. Mas "Asako I & II", era já de 2018. A pandemia também explica a situação, porque tive de interromper a rodagem de "Roda da fortuna e da fantasia", que terminei depois do confinamento. Não sinto que esteja a fazer demasiados filmes.
O primeiro capítulo do filme anterior também começava com uma longa sequência num carro. É só uma coincidência?
Quando rodei essa sequência já tinha decidido que ia filmar "Drive my car". O automóvel é um local onde posso experimentar. E essa cena era na verdade uma preparação para "Drive my car".
No conto original já existia a peça de Tchekov?
Já era referida, mas não estava tão presente. Percebi que a peça tinha muito a ver com tantos outros aspetos da história. O tema de viver uma vida que já terminou tem muito a ver com aquilo por que [o protagonista] Kafuku está a passar. Muitas frases de "Tio Vânia" ajudam o espectador a perceber o que Kafuku está a pensar.
Como é que foi o processo de adaptação do conto?
Escolhi como coargumentista [Takamasa Oe] alguém com muita experiência no teatro e no início da nossa colaboração deu-me muitas ideias. Um produtor é alguém que nos vai dizer se o que vamos colocar no filme vai ser ou não apreciado pelo espectador. Tem esse olhar exterior. Já o argumentista tem um olhar sobre a originalidade e criatividade do nosso trabalho.
Há algo de improvisação no trabalho dos atores?
Não há nada de improviso. As pessoas pensam que em "Happy hour" havia imensa improvisação, mas já estava tudo no guião. É algo que é muito importante para mim. Mesmo a cena do workshop de improvisação estava toda escrita. Como tínhamos muitas cenas de "Tio Vânia", tudo tinha de estar no guião e ser interpretado dessa maneira.
Hiroshima já estava na história original?
Na realidade foi uma coincidência. Na história original Kafuku ia a um festival em Busan, na Coreia do Sul. Mas, com o covid, filmar num outro país era impossível. Tive de pensar numa outra cidade e Hiroshima era o local ideal. Só depois é que percebi como o nome de Hiroshima significa tanto em todo o mundo.
Podemos traçar alguma semelhança entre o que se passou na cidade e a sua história?
De certa forma sim. Lembra-nos como somos todos vítimas mas também responsáveis pela dor e pelas lutas por que passamos. O Japão invadiu outros países, o que nos tornou responsáveis, mas Hiroshima foi a vítima dessa tragédia.
O que sente por o seu filme ser classificado como um road movie?
"Paris, Texas" é um dos meus filmes preferidos de Wim Wenders, por isso fico feliz quando as pessoas me associam a esse filme. Na realidade, de cada vez que tenho uma sequência num automóvel penso em Wenders. Mas também nos filmes de [Abbas] Kiarostami.
As imagens dos seus filmes são de uma enorme pureza e clareza.
Tenho tendência para gostar de imagens simples e claras. Quando olho para realizadores de que gosto, como o Kiarostami, por exemplo, ou no Japão o Mikio Naruse, todos eles fazem planos muito simples e claros. Não gosto muito de exagerar as coisas. É algo que não tem nada a ver comigo.
Quando olhamos para a forma como os seres humanos se relacionam nos seus filmes, penso como no ocidente temos tanto a aprender com os japoneses.
No ocidente é verdade que a intimidade física, a proximidade dos corpos, é mais presente do que no Japão. Por vezes, como japonês, sinto falta disso. Lembro-me de uma cena em "Viagem a Tóquio", de Yasujiro Ozu, onde pai e filha têm uma longa conversa, sentados a uma certa distância. Mas emocionalmente há uma grande intimidade. Só possível devido precisamente a essa distância física.
Colocar a motorista como mulher permitiu-lhe abordar também a condição da mulher no Japão?
Nunca penso focar-me no estatuto social quando filmo uma mulher. O meu foco mais importante é o emocional. Mas talvez filmar as emoções de uma mulher diga também algo sobre o seu estatuto social. Todos os créditos vão para Murakami, mas permitiu-me dar este ponto de vista de uma mulher que trabalha, tem orgulho no seu trabalho e é responsável.
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