Os atores franceses François Cluzet e Marine Vacth falam ao JN de "Mascarade", filme de Nicolas Bedos que já estreou nas salas de cinema nacionais.
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Com um olhar crítico e mordaz sobre a vida fútil na Côte d"Azur, "Mascarade", já nas salas de cinema, centra-se numa dupla composta por um jovem gigolo e uma irresistível vigarista que concebem um plano não muito honesto, que poderá causar a miséria a uma estrela de cinema reformada e a um agente imobiliário. Este último é interpretado pelo veterano François Cluzet, que cai na teia de sedução criada pela personagem interpretada pela jovem Marine Vacth. Os dois falaram ao JN, na estreia mundial do filme, no Festival de Cannes.
Neste filme, o François interpreta uma personagem que não é muito simpática, digamos assim...
François Cluzet (FC) - Mas gosto de pensar que não sou assim na vida real. Por vezes, estas personagens que são muito nervosas, têm uma vantagem, que é de serem ridículas. E se há uma coisa que gosto, é de ser ridículo. Nas comédias, faz com que as personagens não sejam totalmente antipáticas. Temos vontade de rir dele, não percebemos muito bem como é que se mete nesse estado obsessivo ou maníaco. A mim, diverte-me imenso. Mas tenho feito outros filmes em que sou mais calmo, como este, por exemplo.
Acha que a sua personagem é sobretudo calma e menos colérica, neste filme?
FC - Sinceramente, penso que é um dos meus papéis onde tenho alguma ternura. Porque estou apaixonado pela personagem que a Marine interpreta. Nesse momento sou um doce, como o posso ser na vida. E depois tenho o benefício da idade. Mas nunca fui muito nervoso. Revoltado, sim, é verdade. Revoltado e indignado.
A Marine, apesar de já ter alguma experiência, é ainda uma jovem atriz. O que aprendeu ao partilhar a rodagem com atores como o François Cluzet?
Marine Vacth (MV) - Com o François percebi que podia fabricar algo de verdadeiro a partir do falso. Foi sobretudo isto que aprendi com ele. Não consigo precisar nada de concreto, mas esta noção emergiu a partir do humor, da forma como nos rimos durante as filmagens.
E o François, também aprende com os mais jovens?
FC - Para mim, o que contava, acima de tudo, era que se pudesse acreditar na história que nos fora proposta. Acho que fomos parceiros generosos, um para o outro. Como deve ser sempre. É isso que conta. Dar algo de espontâneo. Penso sobretudo na personagem da Marine, que tem cenas muito diferentes, muito complexas. É uma personagem com mil facetas. Divertimo-nos muito a procurar a relação entre nós. E isso faz parte da nossa cumplicidade. Tivemos muito prazer em estar juntos, frente à câmara.
Como é que definiria a sua personagem?
FC - É um tipo que fica completamente apanhado. Abandona tudo. Esta mulher é a mulher que ele queria ter tido há vinte e cinco anos. E que não teve. Esquece mesmo que tem o dobro ou o triplo da idade dela. Isso dá-lhe uma juventude, uma vontade de viver. Eu acredito muito na cumplicidade entre atores, para além das personagens. Humanamente. Digo sempre isto, é o que conta mais para mim. Pode-se ter o melhor ator e a melhor atriz, mas se não há generosidade, não há troca, não há um verdadeiro encontro. O que é interessante no nosso trabalho é encontrar o nosso parceiro. E ser melhor, graças ao nosso parceiro. A Marine fez-me ser melhor. Foi nos olhos dela que encontrei a verdade da minha personagem.
O François está a dar-me uma verdadeira lição do que é ser ator...
FC - Direi simplesmente, para ser breve, que ser ator é uma profissão do coração. O nosso trabalho é dar alguma coisa, se não damos nada, não passa nada. É um estado de alma, ou se é generoso ou não se é. Se encontramos um parceiro que não é generoso na vida, que não nos dá nenhuma atenção, não temos vontade nenhuma de representar com ele ou com ela. O que interessa os realizadores é essa troca, a qualidade dessa entrega. A Marine chegou com essa generosidade e o que tentei foi devolver a bola.
Marine, como é que compôs esta personagem?
MV - Fui procurando a personagem à medida que ia filmando. Com os atores com quem contracenava, com o realizador, o Nicolas Bedos. É normalmente a minha forma de trabalhar.
FC - E é a melhor maneira de o fazer. Quando comecei a trabalhar, imaginava os cenários onde ia filmar. Depois, quando chegava, ficava completamente baralhado. Não era nada como tinha imaginado. O que a Marine disse é mesmo assim. O cenário está lá, o parceiro está lá, com o que vestimos, a situação está lá, e é nesse momento que temos de fazer qualquer coisa. É nesse instante que tudo se joga. O nosso trabalho é um trabalho de espontaneidade.
O que se passa então no trabalho prévio de preparação?
FC - A Marine pode falar disso, porque quando li o guião percebi tudo o que ela tinha sobre as costas. Um papel massivo, enorme.
MV - A maior parte da minha preparação teve a ver com o sotaque. Porque a minha personagem fala francês com um sotaque britânico. Trabalhei muito com uma professora britânica, para não ir pelo caminho errado. Mas realmente, para as cenas que tinha de filmar, não fiz uma grande preparação, fui encontrando a forma de as fazer à medida que ia filmando.
No seu caso, François, como é que se prepara para uma personagem como esta, um homem usado e abusado?
FC - Eu gosto bastante de trabalhar com tempo. Desde que li o guião, trabalhei durante três meses na memória do texto, sobre a psicologia de todas as personagens. Eu venho do teatro e é esse verdadeiramente o meu prazer. De me preparar. Porque afasta os meus medos. Mas no fim, acabo por não me servir de nada do que preparei. Porque tudo é novo quando se chega às filmagens. É o último momento que conta.
Encontra alguma relação entre o teatro e o cinema?
FC - Como faço bastante teatro, por vezes encontro relações entre as peças que interpreto. E este filme fez-me lembrar uma peça que interpretei, "La Double Inconstance", de Marivaux. Marivaus é terrivelmente cruel. E este filme é cruel, à sua maneira.