Realizador francês falou ao JN sobre o seu novo filme “Vicente Deve Morrer”, já nas salas nacionais.
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De um dia para o outro e sem razão aparente, toda a gente quer matar o pacato Vincent. Um encontro inesperado poderá ser a sua salvação. “Vicente Deve Morrer” é um thriller, uma história de amor e um olhar sobre o medo, nas sociedades contemporâneas, que não deixa de recordar “Ensaio Sobre a Cegueira”, de José Saramago. A auspiciosa primeira longa-metragem de Stephan Castang já está nas salas.
Para primeiro filme é um projeto bastante arriscado. Como é que desenvolveu esta história?
O projeto teve início de uma forma um pouco estranha e atípica, em função do que é habitual. Na realidade, foi uma proposta de um produtor. Propuseram-me um argumento, que tinham desenvolvido numa residência de escrita, escrito por Mathieu Naert. Pediram-me para o ler e perguntaram-se se o quereria realizar. Disse que sim, que ia ler, mas com a ideia que não o iria fazer, porque normalmente filmo o que escrevo.
O que o fez mudar de ideias?
Ao ler o argumento descobri várias coisas que me interessavam. Gostei sobretudo do conceito. Deste olhar que gera a violência. Achei que era uma ideia bastante inteligente e que me permitia abordar a violência de uma maneira concreta. E era uma ideia, afinal de contas, bastante cinematográfica.
Acabou por escrever o guião definitivo com outro argumentista.
Conversei duas ou três vezes com o Mathieu, para lhe explicar o filme que queria fazer. E escrevi o guião definitivo com o Dominique Bonnard. A partir daquela matéria que tínhamos desenvolvemos o que se tornou o filme.
Quais foram as alterações mais significativas que fizeram em relação ao original?
A grande diferença é que antes era apenas o Vincent que era vítima do fenómeno e nós gostámos desta ideia de contágio, de algo que se abre. E o humor, algo que significa muito para mim. O absurdo, pelo menos. E focámo-nos na história de amor. Quisemos misturar os géneros cinematográficos, mas deixando em primeiro plano a história de amor.
O filme ou pelo menos a ideia central faz lembrar o “Ensaio Sobre a Cegueira”, do José Saramago, que já foi adaptado ao cinema.
Não li o livro nem vi o filme, mas já me falaram deles.
De qualquer forma, o seu filme integra-se num ciclo de obras, pelo menos em França, onde se filma o medo. Estou a pensar em “Ácido” ou “O Reino Animal”…
Talvez haja uma tendência, não sei se tem a ver com a sociedade em que vivemos. Eu e os autores dos filmes que refere temos algo em comum, vimos todos da curta-metragem.
Na curta-metragem não se olha muito para que tipo de filme é que se faz, podem misturar-se os géneros. O campo é mais aberto, porque não há constrangimentos financeiros.
No seu caso, foi também esse medo coletivo que quis abordar?
Eu quis sair de algo um pouco limitativo, que é o naturalismo. Gosto muito do naturalismo, mas não pode ser o alfa e o ómega do cinema. Podemos tratar o realismo de outra forma. Através do fantástico podemos transmitir o que é inquietante na nossa sociedade, de forma muito mais concreta. Sem grandes explicações, sem uma espécie de determinismo social. Algo que passe mais pelo corpo e não tanto pela psicologia.
Há alguma lista de referências, do cinema, da literatura, da banda desenhada, por detrás do seu filme?
Há uma mistura de várias coisas. Há seguramente o Romero de “The Crazies”. O Carpenter, Mas também Buñuel, Godard. E depois há também a pintura, a música. E as pessoas com que trabalho, a equipa, os atores e as atrizes. É um filme de uma troupe. Gosto muito disso, eu venho do teatro, fui ator vinte e cinco anos. Quis mesmo que trabalhássemos de forma coletiva e participativa. Que a palavra pudesse circular. Tivemos imenso prazer a fazer este filme.
Este filme corresponde à sua visão do mundo? É um pessimista ou ainda tem esperança?
Esperança é uma palavra que risquei do meu vocabulário. Mas podemos mesmo assim ser pessimistas e continuar a ser felizes. É a minha filosofia. Penso que é necessário ser pessimista, se formos lúcidos, mas ao mesmo tempo sermos felizes. Não é por as coisas irem de mal a pior que vamos andar sempre zangados. E é claro que pode existir o amor, um momento possível de prazer, de bons encontros. Acredito nisso.
Vamos continuar a ver filmes seus inscritos no mesmo universo?
No mesmo universo não sei. Em todo o caso com temas sérios mas onde haverá sempre coisas que nos façam rir, isso sim. Vou tentar fazer ainda pior, no sentido do pessimismo.