Novo romance de Paul Auster, "Baumgartner", passa ao largo dos recentes dramas pessoais do celebrado autor nova-iorquino.
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Por muito derivativa que a obra de Paul Auster se tenha tornado de há alguns anos a esta parte, nunca damos por mal empregue o tempo investido na leitura dos seus romances. Uma evidência a que acresce ainda a gratidão que qualquer leitor deve ter por alguém que nos proporcionou romances tão essenciais como “Trilogia de Nova Iorque”, “Mr. Vertigo” ou “O palácio da lua”, apenas para citar alguns exemplos.
Os dramas recentes que se têm abatido sobre a vida de Auster – do diagnóstico de cancro à morte do seu filho Daniel, acusado de homicídio da sua bebé de 10 meses – levar-nos-iam a supor que o escritor transportaria para o seu novo livro a carga de negrume e desesperança associada a tragédias desta dimensão.
Todavia, “Baumgartner” não é um romance inteiramente mergulhado em dor e desespero. A morte e as dúvidas assolam a narrativa, é certo, mas sempre convocadas como pretexto para uma reflexão mais ampla sobre os mistérios da existência, afinal, a paixão maior da sua escrita, a par da justa glorificação dos grandes clássicos, com “Dom Quixote” naturalmente à cabeça.
Em vários momentos de “Baumgartner” transparece até uma candura (não confundir com otimismo) que poderá até surpreender os leitores.
As premissas da história são fáceis de sintetizar: Baumgarnter é um professor universitário e ensaísta renomado que procura manter-se à tona após a morte abrupta da sua companheira de toda a vida, Anna. Apesar dos vários relacionamentos que vai tendo ao longo dos anos e dos projetos desenvolvidos, as recordações da antiga esposa continuam a persegui-lo, para o que contribuem também os poemas e demais escritos deixados por Anna, cujo espólio fica a seu cargo.
Assolado por conflitos interiores vários – da necessidade de prosseguir com a sua própria vida à noção da proximidade do fim, porquanto já ultrapassou a barreira dos 70 anos –, Baumgartner cria um espaço mental recheado de evocações difusas, que tanto podem incluir a recordação da sua infância à exploração das raízes familiares na distante Ucrânia.
Chegado ao final, mesmo com a sensação de que nem todas as pontas lançadas pelo escritor terão sido totalmente ligadas, o leitor não deixará de se confortar com a perspetiva de que nem a dor extrema consegue extirpar a veia criativa de Paul Auster.
Baumgartner
Paul Auster
ASA