O realizador Telmo Churro fala do seu filme “Índia”, que pode ser visto nas salas de cinema portuguesas a partir desta quinta-feira.
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Tiago vive com o filho adolescente e com o pai. Quando tem de servir de guia a uma turista brasileira, leva-a pela memória de um passado que talvez não tenha sido como nos descreveram e por uma Lisboa que já não existe. É “Índia”, estreia na longa-metragem de Telmo Churro, conhecido pelos filmes que montou e escreveu. O realizador não se furtou às questões do JN.
Este Tiago é um alter-ego ou apenas um parente mais afastado?
Não é um alter-ego. Todas as personagens têm características de pessoas que eu conheço ou que me foram próximas numa altura qualquer da minha vida. São coisas que fui roubando, de forma vampiresca a pessoas que conheço ou conheci.
Mas podemos dizer que o Telmo está um pouco em cada uma das personagens principais?
Sim, estou um pouco em cada uma delas. Não é a minha história, mas são muitas das minhas histórias, de histórias que conheço ou que vivenciei de uma qualquer maneira. E também os sítios por onde o filme passa, são todos muito íntimos. São sítios que eu conheço muito bem. A igreja é a igreja a que a minha família ia, o Jardim da Estrela é um jardim por onde andei a vida toda. As ruas são onde vivi ou onde andei na escola.
O filme acaba por ser também sobre a cidade de Lisboa.
Nos sítios por onde o filme tem ido, mesmo nos festivais no estrangeiro, as pessoas relacionam-se com o filme também por aí. Por vezes fazem paralelismos com as cidades delas. Essa foi a génese inicial. O meu desejo inicial foi fazer um filme sobre a cidade. É a minha cidade. Porventura uma cidade que já não existe. Mas que provavelmente nunca existiu, porque é muito própria, muito minha.
As nossas cidades, como Lisboa e Porto, estão invadidas pelo turismo, de todas as nacionalidades. Porque escolheu uma brasileira para a turista do seu filme?
A ideia é que fosse uma turista que viesse do chamado novo mundo. A dada altura era uma turista americana. Durante a escrita do argumento acabámos por decidir que era brasileira. Achámos piada que depois de todo o nosso processo colonial é curioso que agora também tenhamos turistas de países que foram colonizados por nós.
No filme há a ideia da Índia, do Império, o tão grande que nós fomos, ou não. Sente que o complexo sobre essa grandeza passada ainda existe nas novas gerações?
Aos poucos começa a lidar-se com a falência dessa ideia que nos foi vendida. Tivemos esse império, mas grande país fomos muito pouco, e durante muito pouco tempo. Faz lembrar aquelas famílias aristocráticas que estão falidas mas ainda têm muitos palácios.
O país dos navegadores e dos conquistadores…
Essa ideia foi muito construída pelo Estado Novo. Por um lado, é uma tragédia, temos sempre essa coisa do que fomos e nunca vamos conseguir chegar lá outra vez. Tudo isso é uma fantasia. Só agora é que se começa a falar da tragédia que foi o processo de colonização.
A personagem mais jovem do filme parece completamente perdida. É a visão que tem dos jovens de hoje?
Tenho muita dificuldade em perceber as novas gerações, provavelmente por culpa minha. Ele provavelmente está mais perto do que seria um adolescente do meu tempo. Sinto que sou muito preconceituoso com as novas gerações. Mete-me muita impressão esta dependência da tecnologia, do “scroll” eterno, de os ver muito agarrados a isso. Sou pai de um adolescente, se calhar já cheguei aquela idade do “no meu tempo é que era”, “no meu tempo era diferente”. Os meus pais disseram a mesma coisa.
Há uma dependência cada vez maior face às novas tecnologias.
Estas mudanças foram muito rápidas. A minha geração assistiu ao nascimento da internet, das redes sociais, da inteligência artificial. Mas faço um esforço para perceber. O Manuel está numa bolha de adolescente. A sua imaginação já está muito dependente de coisas que lhe propõem das redes sociais. Imagina uma viagem cósmico-erótica. É uma futura epopeia, como as epopeias do século XV.
Uma das grandes questões de hoje é precisamente o papel da inteligência artificial na criação. Qual é a sua posição?
Não entendo ainda muito bem a inteligência artificial. Não tenho uma posição muito clara. Mas assim à partida, utilizá-la como uma ferramenta para ajudar a desenvolver o que nasce na nossa cabeça parece-me preguiça. Para ser ela a fazer por nós, então aí não somos precisos. Aliás, as pessoas perguntam sempre porque não há telemóveis nos filmes que escrevo. Eu não tenho uma grande relação com estas novas ferramentas.
O que retém dos vários realizadores com que trabalha, como montador ou argumentista?
Quando filmo não penso muito no trabalho dos outros. Penso em muitas outras coisas. Para este filme talvez tenha sido mais importante alguns livros que li na altura em que comecei a escrevê-lo. Mas é claro que há coisas. Quando comecei a escrever as cenas da casa pensei logo no César, nas “Recordações da Casa Amarela”, num corredor cheio de portas, que são uma espécie de portal para a mulher. Nisso pensei.
Voltando à relação com os jovens, o filme acaba de ganhar um importante prémio de um júri de jovens.
É o segundo prémio que o filme recebe de um público jovem. Para além dos prémios, agradou-me sobretudo as justificações. É curioso porque sempre achei que o filme tinha uma característica um pouco antiga. Mas pelos vistos os jovens relacionam-se com ele. Tem muito a ver com a vida da cidade, de não ser aquilo que ambicionavam que fosse, e a cidade estar a mudar de uma maneira muito rápida. Com um turismo massificado, que conta umas narrativas horrorosas, que não têm relação nenhuma com eles.
E o que espera agora do confronto com a sala?
Pelo que sei as salas estão bem agora, estão com muito público. Mas não tenho grande justificação para o divórcio com o cinema português. Obviamente que quero que o máximo de pessoas vejam o filme, mas não tive nenhum propósito comercial ao fazê-lo. Fico contente se fizer muitos espectadores, mas sei que não vai fazer.
Neste momento sente-se mais como um montador que realizou um filme, como um realizador que também monta, como argumentista?
Eu gosto muito de fazer o que faço. Nos últimos anos tenho estado mais a montar e a escrever. Eu realizei sempre que tive o desejo de realizar. Não tenho a ambição de ter uma obra, de filmar todos os anos. Tive o desejo de fazer uma curta e fiz, apeteceu-me fazer uma longa e fiz. Demorou muito tempo, comecei a escrever em 2013. Mas agora vou começar a escrever outro filme.