Manuel Cargaleiro visitou Mosteiro de Ancede, em Baião, e revisitou as suas obras que há muito não via. Na exposição “Eu sou Cargaleiro”, em Baião, revela 70 anos da sua produção artística.
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“Se não tiver tintas, pego num papel e risco”, confessa o maior artista plástico português vivo, Manuel Cargaleiro, que pinta diariamente por ser “incapaz de não o fazer”. Considera-se afortunado porque no caminho da arte “havia muitos que tinham a doença e o sonho e ficaram pelo caminho”. E sentencia: “Tenho 96 anos e meio e arte é um veneno, um vício” sem o qual não vive.
Esta quinta-feira, Cargaleiro foi ao Mosteiro de Ancede - Centro Cultural Baião, diretamente de Paris, onde reside desde 1957, para visitar a exposição “Eu sou…Cargaleiro”, que retrata o seu percurso artístico em 65 obras que vão da pintura à cerâmica, passando pelos guaches e painéis de azulejos. A mostra fica patente até ao final de outubro.
O reencontro do mestre com as suas criações tem, nalguns casos, décadas de afastamento. Das 65 obras patentes, apenas sete estavam em coleções institucionais, revela o curador Ângelo Paupério. “As demais pertenciam a colecionadores particulares que tiveram a amabilidade de emprestá-las por uma temporada”.
Pressa e paciência
“Fico muito vaidoso de ver estas obras, isto significa que alguém gostou do meu trabalho, não vale a pena estar com falsas modéstias”, conta Cargaleiro ao JN. Sem se abster de fazer autocrítica: “Este quadro está mal, precisava de ter mais altura”, diz. O curador diz-lhe em tom provocatório que talvez possa melhorá-la. “Não, antes tinha muita paciência, agora tenho muito mais pressa”, sentencia.
Visitar a exposição com o artista é uma lição de história de arte. “Olha esta foto de 1950, do primeiro Salão de Artes Plásticas da Caparica, e eu que era um garoto, com a carrinha de hortaliças do meu pai a carregar as obras de tantos artistas...”, diz a gargalhar.
Noutra obra encontra-se frente a frente com os fantasmas: “A Sónia Delaunay, uma das mais importantes, muito representada em Nova Iorque...Oh! O meu grande amigo Jorge Amado!”, exclama.
Com Picasso e Miró no horizonte
Mas, nem só de personagens se compõe a sua memória, e é sempre com a cerâmica e os seus processos que mais se emociona: “Trabalhei com a Ravello, em Itália, com a Gian, em França e com a Viúva de Lamego em Portugal e nós adorávamos criar novas cores e novas técnicas, partíamos garrafas daquele verde forte, púnhamos pedrinhas e conchas para ver as misturas”, revela sobre a alquimia.
E deslindando que “Portugal, nos anos 50, conseguiu acompanhar o movimento de Picasso e de Miró, na cerâmica”. Sobre dois painéis cerâmicos que se encontram nesta exposição, comenta anedoticamente que a diferença de cores, entre ambos, se relaciona com a sua operação às cataratas: “Um foi feito antes e o outro depois”.
A maioria das obras patentes são pinturas que estavam em colecionadores privados do Norte de Portugal, algumas relativas ao Porto e pertencentes aos herdeiros de Eugénio de Andrade.
“O Eugénio estava-me sempre a pedir coisas e íamos trocando”, diz a rir. Os dois tinham um grupo de amigos em que se inseria “Júlio Resende, e o escultor José Rodrigues que era o meu irmão do Porto. Eu à vezes tinha de ir ao Porto porque tinha saudades dos meus amigos”, conta.
Relembra: “Já cá não está nenhum”. E questiona: “Onde está o Museu da minha geração? É que eu fui apenas um milímetro deste movimento! E os outros todos?!”.