As comemorações da revolução chegam mais cedo a Braga, com a estreia, esta quarta-feira, de "Calma, é só amanhã". O espetáculo multidisciplinar encenado por Nuno Preto dá o protagonismo às gentes locais.
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Se por estes dias se comemora a liberdade de um país que há 50 anos derrubou a ditadura, então que a liberdade tome conta dos espíritos inquietos e mostre-se em pleno no palco do Theatro Circo, em Braga, onde a comunidade é chamada, esta quarta-feira à noite, a apresentar um espetáculo original para assinalar o meio século que passou desde a revolução.
Dirigido por Nuno Preto, o espetáculo “Calma, é só amanhã” junta, a partir das 21.30 horas, cerca de 80 participantes, muitos deles pessoas comuns, sem ligação artística, que responderam ao desafio lançado pelo Theatro Circo para se envolverem neste momento. Porque, se é para falar de liberdade, a criação partilhada é o expoente máximo disso mesmo.
“Num espetáculo sobre liberdade, a propósito do 25 de abril, existir uma ditadura imposta seria uma grande contradição. Nunca quisemos que houvesse qualquer tipo de ideia predefinida. Aquilo que fizemos foi usar as liberdades de cada um de forma a que se traduzissem em movimentos do próprio espetáculo”, explica ao JN o encenador Nuno Preto.
Além de cerca de três dezenas de pessoas da comunidade escolhidas a partir de uma “open call”, o projeto chamou grupos artísticos da região a participarem no processo colaborativo, ao qual se juntaram o grupo de bombos Tambombo da Escola de Palmeira, os alunos do Conservatório Bomfim, da Escola de Dança Ginasiano e da Academia Clássico Contemporânea, assim como da NEED Cooperativa, que trabalha com pessoas com necessidades específicas.
No palco, em conjunto, vão explorar o movimento, a música, o teatro e a escrita enquanto modos de expressão, mostrando “diferentes inquietações” e exaltando as “liberdades inibidas” 50 anos depois de 1974, segundo Nuno Preto. “Um projeto como este é um espaço de mediação de diferentes expectativas que é importante não defraudar”, assegura o encenador.
Envolver a família
Entre os participantes, há várias famílias, com muitos jovens, que os pais quiseram envolver ativamente na cultura e na evocação de um dos dias maiores da história de Portugal. “Esta envolvência da comunidade tem sido uma estratégia cada vez mais usada na vertente cultural e parece-me que é muito importante”, garantiu ao JN Diana Portelinha, que participa no espetáculo com o marido e os três filhos, de 10, oito e cinco anos.
Sem qualquer ligação profissional ao mundo artístico, aproveitou a oportunidade para “marcar” uma “data especial” e para “envolver os miúdos” de forma ativa e dinâmica na cultura que a cidade proporciona. “Durante muitos anos fomos críticos, a dizer que em Braga não se fazia nada, mas agora faz-se muita coisa, se quisermos e estivermos atentos”, frisa Diana.
Fazer a filha “brilhar”
O pretexto foi mais ou menos o mesmo que levou Pedro Pereira, um professor de Informática, a fazer mais de 50 quilómetros desde o sítio onde mora – Cabeceiras de Basto – até ao centro de Braga para participar no espetáculo. “Morei em Braga 17 anos, conheço o Theatro Circo, estive cá na reinauguração, mas não tenho nenhuma experiência artística”, diz.
O objetivo, garante Pedro, é “fazer brilhar” a filha, Maria Campos, de 10 anos. “Estou cá para fazer a minha filha brilhar”, repete, em conversa com o JN, enquanto o grupo se prepara para um dos derradeiros ensaios. Permitir que Maria “conheça o Theatro Circo por dentro, vá aos bastidores, saiba o que é estar no palco” é aquilo que o move. “Estar cá envolve uma deslocação de mais de 50 quilómetros, mas é algo que faço com todo o prazer”, frisa Pedro Pereira.
E isso é música para os ouvidos de Nuno Preto – porque lhe permite confirmar a ideia de que há ali verdadeiramente uma “vontade genuína” de participar, de mostrar, de criar, mesmo que as “motivações” sejam muito diferentes. O espetáculo tem início marcado para as 21.30 horas desta quarta-feira, na sala principal do Theatro Circo.