Primeiro concerto da digressão Encore Tour, em Lisboa, deixou as emoções à flor da pele. Clássicos da banda e homenagens a Angélico, com holograma, foram pontos altos da noite.
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O ano é 2005 e os D'ZRT esgotam mais um concerto no Pavilhão Atlântico - dá vontade de começar o texto assim. É que, ainda que o espaço agora tenha outro nome e à data se somem 18 anos, se não fossem os smartphones e o Instagram nas mãos a situarem-nos no calendário, ninguém daria pela passagem do tempo ao ver, no sábado à noite, as cerca de 20 mil pessoas que lotaram a Altice Arena num desejado regresso ao passado. A geração que viveu a infância nos inícios de 2000 e para quem "Verão Azul" não lembra uma série televisiva dos anos 80 esteve de braços, pulmões e corações escancarados para deixar bem mortas as saudades, não só de uma banda, mas de um tempo que já viu duas décadas passarem por si de fininho, como passam sempre.
"Vocês não imaginam o quão bom é pisar este palco. O nosso amor deste lado é tão grande com o que nos estão a fazer passar. É surreal", partilhou Cifrão, emocionado, logo nos primeiros minutos do concerto, depois de uma ovação demorada ter deixado todo o grupo calado em lágrimas, só a absorver. Os rapazes que fizeram das palavras "para mim tanto me faz" uma espécie de hino de uma geração - numa altura da vida em que, de facto, tanto fazia - estão mais velhos. Já têm rugas e cabelos brancos, o Vintém é pai desde o ano passado e o Cifrão está para ser (de uma menina, anunciou). Há 12 anos que não davam um concerto, mas ontem voltaram a ser os miúdos irrequietos que conquistaram uma legião de fãs pelo país todo.
Em duas horas, houve energia surpreendente, intensidade e comoção. Houve sorrisos, choros e abraços. Saudade, partilha e nostalgia. Fogo, dança e mortais em palco. Saltos, gritos e aplausos longos na plateia. Houve Edmundo ao piano, Vintém num solo de guitarra e Cifrão na bateria. Pop, rock, reggae e baladas. Interação com o público e atenção com o seu bem-estar (a própria banda interrompeu o concerto algumas vezes para pedir assistência a pessoas que se estavam a sentir-se mal, apelando ao autocuidado). A Volkswagen azul do videoclipe do "Verão Azul" estava estacionada à porta do recinto. E até a famosa crista do Zé Milho apareceu, tímida, na cabeça do Cifrão, que, em "D'ZRT Revolução", voltou a usar o icónico casaco vermelho à militar.
Holograma de Angélico
Houve quase tudo e o quase que irremediavelmente faltou transformou-se numa coisa bonita. A ausência física de Angélico Vieira - que perdeu a vida precocemente num acidente de carro em 2011 - foi preenchida por vários momentos orgânicos de homenagem constante, ora pelas palavras saudosas dos companheiros, ora por fotos e vídeos antigos nos ecrãs, ora por músicas com a assinatura de Angélico no alinhamento. E até por um inesperado e arrepiante holograma do artista - um dos momentos altos da noite - durante o tema "Só depende de nós", escrito pelo próprio e que contou com a sua voz e imagem, deixando quem assistia a perguntar se aquilo estava mesmo a acontecer. É que o Angélico é o vértice que falta ao quadrado e lembrá-lo é uma inevitabilidade. José Luís Peixoto escreveu um dia a frase "na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco, enquanto um de nós estiver vivo, seremos sempre cinco". A premissa é a mesma aqui, garantem: na hora de os três subirem ao palco, serão sempre quatro.
Para a geração que se colava à televisão a ver Morangos com Açúcar depois da escola enquanto comia pão com Tulicreme, voltar a ver a banda tantos anos depois não é só voltar a ver a banda. É recuar à infância e à leveza das memórias nostálgicas do passado, que fizeram artistas e público comover-se várias vezes. Haverá quem chame a emoção de histeria e faça pouco da sensibilidade, quem desdenhe o efeito D'ZRT e defenda a estranha teoria de que, se um produto vende muito e tem muitos seguidores, sobretudo na música, então é porque é mau. Como se bom e mau não fossem conceitos relativos e como se o sucesso imune à passagem do tempo não fosse também algo a ter em conta na hora de fazer juízos.
Quando Cifrão, Vintém e Edmundo começaram, no início da noite, a cantar "Todo o tempo", o tempo respondeu e disse que não tinha passado: a multidão cantou a música de uma ponta à outra, sem cábula, como se a letra tivesse ficado algures ali guardada estes anos todos, só à espera de um empurrãozinho para sair. O mesmo voltaria a acontecer uma e outra vez até ao fim, sobretudo com os temas mais populares da banda, como "Caminho a seguir", "Estar ao pé de ti" e "Feeling", num balanço perfeito entre canções que obrigam a expulsar o demónio do corpo de tanto saltar, como a imperdível "Para mim tanto me faz" (que teve direito a bis), e canções que fatalmente levam o pensamento para amores antigos e as cabeças para os ombros dos amigos, como "Querer Voltar" e a emprestada "I Don't Wanna Talk About it". "De repente parecia que estávamos em 2005 outra vez. Estou todo arrepiado", partilhou Edmundo no fim de uma delas. Não foi 2005, mas foi D'ZRT. E ninguém desertou.