Álvaro Magalhães revisita o percurso do escritor e amigo. O novo volume da coleção chega esta quinta-feira às livrarias.
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Se uma biografia é sempre um exercício do impossível - afinal, nenhuma vida, por mais monótona que seja, cabe numas módicas centenas de páginas -, a de Manuel António Pina trouxe uma dificuldade adicional para o seu autor. Mal aceitou o repto lançado pelo editor da Contraponto, Rui Couceiro, para escrever "Para quê tudo isto?", Álvaro Magalhães decidiu que iria procurar levar à letra o mito da imparcialidade do biógrafo, procurando, "por pudor", ocultar do leitor, esse "voyeur" incorrigível, os laços de profunda amizade que o liga(va)m ao Prémio Camões 2011.
O esforço ainda vigorou algumas páginas, mas seria abandonado pelo biógrafo. Sem o mínimo arrependimento. "Percebi que essa proximidade poderia ser produtiva, um instrumento de precisão e rigor. Além de criar um laço afetivo com o leitor. E então usei-a", diz, equiparando a ação à tarefa de "limpar a lente que filtra os factos e os acontecimentos", com a opacidade a dar lugar à clareza.
Com a memória das intermináveis conversas que tinham ainda muito presente, Magalhães dispensou o trabalho de sapa que seriam as consultas em arquivos bolorentos ou os milhares de quilómetros percorridos.
Mas só até certo ponto. Para compor um retrato fiel da infância de Pina, sobre a qual escasseiam os registos devido à itinerância permanente da sua família, o celebrado autor para a juventude levou por diante várias entrevistas, "escavando" detalhes e episódios já de si reveladores do que viria a ser a sua vida.
Como a tendência precoce para brincar com palavras, "essas crianças grandes", ou a espirituosidade que o acompanharia sempre. Uma faceta já bem evidente quando, ainda petiz, se virou certa vez para a progenitora e, farto das restrições constantes aos jogos na rua, lhe disse: "Quando tu fores filha e eu mãe, também não te vou deixar brincar!".
"Só se parecia consigo"
A legião de amigos e conhecidos que arregimentou durante a vida reconhecerá muitos dos episódios narrados na biografia. Contudo, o livro vai muito além dessa compilação de cenas humorísticas das quais foi protagonista, trazendo também à liça um conjunto de revelações que nem um amigo tão próximo como Álvaro Magalhães conhecia. A começar pela relação de sete anos que manteve com uma jovem educadora de infância portuense chamada Maria das Dores, terminada abruptamente por esta quando já tinham casamento marcado. Ou ainda algumas das suas múltiplas facetas, tantas vezes antagónicas, como as do jogador de póquer, praticante de artes marciais, adepto fanático ou especialista em bricolage, entre tantas outras.
"A sua obra literária está cheia de paradoxos, mas na sua vida ele também era assim. Se é verdade que todos nos parecemos uns com os outros, ele era único, só parecido consigo mesmo, devido a um conjunto invulgar de idiossincrasias", argumenta o biógrafo.
À venda nas livrarias a partir de hoje, o quarto volume da coleção de biografias de grandes figuras da cultura contemporânea vai ser apresentado no sábado, às 17 horas, na Biblioteca Almeida Garrett, no Porto.