Crónicas de João Pedro George são um exercício de liberdade e inteligência.
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No ainda pardacento mundo literário português, olha-se sempre de soslaio para quem desenvolve mais do que uma atividade ou exibe um dinamismo superior ao de uma lesma em estado catatónico. Como se a ação não fosse preferível ao imobilismo, o estado preferido de quem tudo critica mas pouco faz.
Fulano escreve mais do que um parágrafo por semana e atreve-se a não seguir à risca o sacrrosanto literariamente correto? É porque vendeu decerto a alma ao diabo, entre outras perfídias sem fim, logo concluem, satisfeitas, as doutas mentes, que seguem à risca o espaventoso lema “não li e não gostei”.
Sociólogo, ensaísta, biógrafo, cronista e crítico literário, João Pedro George é um dos que mais sentirá esse azedume. Nada que o perturbará por aí além, a avaliar pela vontade manifesta de “Chatear o Camões”, título de um extenso (e recomendável) volume no qual apontava alguns dos muitos pecadilhos, sempre atuais, do meio cultural indígena.
Em “Viajar na maionese”, uma reunião das crónicas publicadas nos últimos anos na imprensa, George espraia o seu talento de desarrumador nato enquanto instrumento para pensar melhor o quotidiano. O que significa que tudo, até mesmo os temas supostamente mais sisudos (ou dos quais a ‘intelligentzia’ gosta de se apropriar), deve ser sempre colocado na grande lente angular que é o humor, a fim de que lhe possam ser apontados os tiques e as irrelevâncias, se necessário for.
Convicto de que não há temas menores mas apenas abordagens medíocres, o autor de “Mamas & badanas” – um rigoroso estudo sobre a fixação dos autores portugueses por peitos de grandes dimensões – disserta sem tibiezas sobre temas dos quais a literatura se tem lamentavelmente abstido de comentar ao longos dos tempos, como o sexo na banheira, o chulé, as unhas dos cadáveres, o buço ou o bidé, entre muitas outras questões prementes.
“Espírito livre, em roda livre, a divertir-se com o que pensa, a pensar no que o diverte”, como escreve Miguel Esteves Cardoso no prefácio, João Pedro George convida-nos a fazer parte de um mundo em que tudo é lícito. Menos o aborrecimento.
Viajar na maionese
João Pedro George
Edições 70