Rerospetiva patente até 12 de outubro na Casa da Arquitetura revela décadas de um percurso dedicado à construção de brinquedos. "Nunca deixei que a infância me abandonasse", diz.
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Sempre acreditou que um arquiteto que só de percebe de arquitetura nem de arquitetura percebe. Ao rigor que o exercício da área na qual se formou há quase meio século exige, Virgínio Moutinho soube acrescentar um universo lúdico e inventivo capaz de atravessar o design, a escultura cinética e a arte urbana.Patente até 12 de outubro na Casa da Arquitetura, a exposição "Na oficina do arquiteto" é um vislumbre amplo desse mundo fantástico que é o da construção de brinquedos.
Como um moderno Gepeto, procura dar vida a seres possíveis apenas na sua imaginação, sejam peixes-mutantes, cadeiras com formas humanas ou aves com feições reptilíneas, sem esquecer invenções tão essenciais como máquinas de mexer cafés. "Reparar o universo"Neste cruzamento entre a infância e a arte cinética, a arquitetura e a poesia do objeto, Virgínio Moutinho procura "reparar o universo com remendos do encantamento". A meninice passada em Avanca foi fundamental nesse gosto, que o leva a orgulhar-se, ainda hoje, de "nunca ter deixado que a infância me abandonasse".
Se o lado familiar já o puxava para a manualidade (o pai era fabricante de móveis), a vizinhança também teve a sua importância. Com espantosa nitidez ainda se recorda do António Latoeiro, que transformava latas de óleo em púcaros e regadores, ou do Cândido das Bicicletas, sempre a praguejar contra o material quando o martelo lhe ia aos dedos.Se foi na adolescência que, inspirado pelo ambiente em redor, tentou as suas primeiras construções, a formação em Arquitetura e o gosto inato pela mecânica conferiram às suas esculturas em movimento uma complexidade que se acentuaram com os anos. Por isso, na exposição patente em Matosinhos optou por reunir trabalhos criados nas últimas décadas.
Alguns deles são muito recentes, porque, como confessa, "o impulso permanente de recriar aquela sensação de encantamento infantil perante a surpresa de um novo brinquedo, ainda hoje permanece".
Os inimigos da classe
A ligação às suas criações lúdicas esteve sempre presente. Mesmo quando o ritmo de trabalho na arquitetura era elevado - chegou a ter 15 profissionais no seu ateliê, assinando projetos como os Ateliers da Lada, o edifício do ISEP ou parte das requalificações do Porto 2001 -, nunca deixou de passar longas horas na oficina que criou no piso térreo da sua casa, "como um terapêutico escape emocional", explica.
Desencantado com o rumo da arquitetura nos últimos anos, esmagada pela burocracia, lamenta que tenhamos "uma paisagem destruída por projetos que são iguais em todo o lado".O aumento galopante de profissionais da área levou "ao esmagamento" das margens, mas o principal problema nem é esse. "Nos anos 70, dizia-se que os grandes inimigos dos arquitetos eram os engenheiros. Hoje, os grandes inimigos são os próprios arquitetos", aponta, criticando ainda as escolas e universidades, que "vendem receitas muito baseadas no formalismo, com pouco investimento nas questões técnicas"
.Aos 73 anos, o "Gino dos Bonecos", como costuma ser afetuosamente tratado pelos que o rodeiam, diz só querer prosseguir a sua missão: "descobrir e revelar mais algum encantamento algures".Infância foi decisiva para o gosto pelas artes manuais
O sonho da Casa das Máquinas de Brincar
Há anos que Virgínio Moutinho luta pela concretização de um projeto que considera ser o mais importante do seu legado como criador: a criação da Casa das Máquinas de Brincar.
"É mais do que um museu", adverte, explicando que pretende que "seja uma coisa viva, com um lado oficinal muito forte e uma ligação estreita com as universidades". O núcleo do projeto será constituído por uma coleção de brinquedos nacionais e internacionais que testemunhem a história cultural e material do ato de brincar, assim como por criações originais de esculturas em movimento e peças artísticas ou didáticas que explorem princípios de mecânica, equilíbrio, engrenagens e movimento lúdico.
Além de uma exposição permanente, o espaço terá oficinas e ateliês, percursos inclusivos e sensoriais e um centro de estudo. Áreas complementares que, no seu conjunto, possam ser "um encontro entre a mecânica, a arte e a imaginação", diz o arquiteto, que já manteve contactos informais com autarquias sobre o projeto, ainda que sem grandes avanços.