Centro de investigação da universidade de Cambridge lança documento no qual alerta para as ameaças à privacidade e segurança dos dados de quem usa aplicações para monitorizar os ciclos menstruais e deixa recomendações e alternativas possíveis.
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Chamam-lhe “mina de ouro” e explicam que há riscos no uso de apps que procuram ajudar a monitorizar o período. Um estudo do Minderoo Center da Universidade de Cambridge alerta para a possibilidade de, nas mãos erradas, os dados coligidos por estas aplicações poderem por em causa a privacidade e a segurança por quem opta por este tipo de serviços online. “As mulheres merecem mais do que ter os seus dados de monitorização menstrual tratados como dados do consumidor, mas há um futuro diferente possível”, considera a diretora executiva deste centro para Tecnologia e Democracia, a professora Gina Neff.
O estudo indica vulnerabilidades e recolha de informação que podem vir a ser usadas para "discriminação" no acesso a seguros de saúde e possibilidades de emprego, uma vez que recolhem dados que vão desde os padrões alimentares ao exercício, passando por métodos contracetivos usados e variações hormonais.
Tratando-se de apps que têm também a capacidade de ajudar na decisão de uma gravidez, os investigadores alertam para o facto de o acesso a este tipo de informação tão específica ser uma das “mais procuradas para publicidade digital”, uma vez que se trata de uma fase de profunda alteração dos padrões e dos bens de consumo.
"Os dados de acompanhamento menstrual não são necessariamente protegidos como informações médicas, mas podem revelar algumas das informações mais íntimas sobre as utilizadoras: as suas escolhas reprodutivas, os problemas de saúde mental, os problemas de saúde e uma infinidade de informações políticas e de consumo”, lê-se no documento, que pode ser consultado no original aqui. E acrescenta: “Nos Estados Unidos da América, os dispositivos de rastreio do ciclo são regulamentados como dispositivos de bem-estar geral e os dados não estão sujeitos a proteções especiais. Embora na União Europeia e no Reino Unido os dados sejam protegidos como sendo de categoria especial, as proteções necessárias, as opções de consentimento ou a base jurídica para a recolha não são totalmente aplicadas ou implementadas. Uma vez que os modelos de negócio das empresas se baseiam na venda dos próprios dados dos utilizadores ou na venda de informações sobre os dados, os utilizadores são incentivados a acompanhar uma vasta gama de indicadores, muito além das informações básicas do ciclo.”
Para lá de uma mais apertada regulação e transparência na recolha, tratamento e uso de dados, o grupo de estudo pede para que sejam desenvolvidos “modelos alternativos” que estejam dependentes de entidades públicas, “incluindo aplicações de organismos públicos como o NHS (serviço nacional de saúde britânico), desenvolvidos para serem fiáveis e permitirem a recolha de dados para investigação, a fim de colmatar a lacuna de género na saúde de uma forma responsável”. Opções de femtech (tecnologia feminina, em tradução literal) que “não dependam da venda de dados de utilizadores ou de conjuntos de dados anónimos, tais como modelos freemium, modelos baseados em subscrições ou modelos de mercado”.
O estudo vinca que, nos EUA, a “Planned Parenthood desenvolveu a sua própria versão de uma aplicação de monitorização de ciclos” e que o “Reino Unido está idealmente posicionado para resolver a questão do acesso aos dados menstruais para os investigadores, bem como as preocupações com a privacidade e a mercantilização das informações dos que têm menstruação, desenvolvendo uma aplicação do NHS para monitorizar os ciclos menstruais”, refere o mesmo relatório.