Mães monoparentais “esgotadas“ e “culpadas” devem “pedir e aceitar ajuda, permitir-se falhar"
Não bastasse o risco de pobreza em que vivem as famílias monoparentais em Portugal - sobretudo mulheres -, as mães separadas com descendentes a cargo vivem, diz psicóloga Joana Gentil Martins, entre o “emocionalmente esgotadas”, o “culpadas por pensarem em si” e mergulhadas no “medo" de um novo amor exigente
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Em pouco mais de 30 anos, as famílias monoparentais - com um adulto e um ou mais filhos a cargo - mais do que duplicou. Se em 1992 eram pouco mais de 200 mil, em 2023 já quase tocavam o meio milhão ( 473 191).
Dados da Pordata que revelam ainda que, justamente no ano passado, 83,8% desta monoparentalidade estava nas mãos das mulheres. Contas feitas, mais de oito em cada dez agregados monoparentais está a ser gerido por mães, a minoria restante está sob tutela de homens. Um predomínio que tem implicações nos rendimentos, no tempo e no cuidado, na vida privada e íntima e que a psicóloga Joana Gentil Martins conhece bem.
À margem do lançamento do livro Como Reconstruir um Coração Partido, a especialista revela que “as mulheres em contexto de monoparentalidade trazem um relato de ‘não há espaço para mim’.” “Não há tempo, não há energia e, muitas vezes, também não há rede de apoio. Sentem-se emocionalmente esgotadas, culpadas por pensarem em si e com medo de que o amor seja mais uma exigência, em vez de ser um espaço de acolhimento e crescimento”, revela Joana Gentil Martins. Se o espaço de autocuidado está comprometido, a ideia de futuro também chega com alguma névoa. “Existe o medo da relação que a nova pessoa que entre na sua vida possa estabelecer com os seus filhos”, acrescenta a especialista.
Para a psicóloga, o caminho para estas mães, passa por “as ajudar a ressignificar o ‘cuidar de si’, sendo que tal não é um luxo, é uma necessidade básica”. Na lista de trabalhos, Joana Gentil Martins elenca passos simples como “pedir e aceitar ajuda, permitir-se falhar e reservar tempo, ainda que dez minutos por dia, para se reconectar consigo própria e fazer alguma atividade de autocuidado”. Gestos que devem acompanhar o “trabalho da autoestima e de crenças limitadoras, seja sobre si ou sobre a nova possível relação ou novo possível amor. Este trabalho deve ser feito acompanhada por um psicólogo”, recomenda.
Uma realidade privada e mental que convive, depois, de mãos dadas com o rendimento. Ou falta dele! Em Portugal, a monoparentalidade está a empurrar as mulheres para “uma das taxas de risco de pobreza mais elevadas”.
Três em cada dez (31%) das pessoas que integram esta tipologia de famílias vivem com um rendimento mensal abaixo do limiar de pobreza, como se lê nos dados avançados pela Pordata: auferem, em média, 632 euros para o adulto mais 189,6 euros por cada criança.