Na mesma semana em que as estatísticas dizem que o número de filhos que agridem a mãe ou pai aumentam, a notícia trágica do homicídio de uma progenitora pela mão do seu filho de 14 anos sacode a sociedade portuguesa. Mas, afinal, o que fazer para travar este fenómeno? Psiquiatra deixa pistas.
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A vereadora Susana Gravato foi morta a tiro pelo filho de 14 anos e a notícia chocou o país. Uma história trágica que surgiu dias depois de as estatísticas da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) terem tornado público que as agressões perpetradas por filhos sobre mães e pais dispararam nos últimos três anos. Contas feitas, a entidade recebeu cerca de duas queixas por dia de mães, só no ano passado.
Mas o que se está a passar, afinal, e como tentar travar esta onda de violência que continua a existir da porta para dentro de casa, alargando a mancha de violência dentro de muros? "Sempre que vemos notícias trágicas, é normal que a nossa primeira reação seja tentar encontrar uma explicação rápida, porque nos traz conforto e afastam de nós o medo do que não entendemos. Para as más notícias não há respostas únicas nem explicações rápidas. Um ato violento num jovem nunca tem uma explicação única e assumir isso é o primeiro passo para as encontrar", analisa a psiquiatra Maria Moreno.
Mais do que ter uma resposta única, importa lembrar, como refere a médica ao JN/Delas em resposta por escrito, que "os modelos constroem-se aos poucos". "Primeiro ponto e o mais importante: a perfeição não existe e não se quer", sublinha a especialista, que cita o pediatra e psicanalista Donald Winnicott para falar da "ideia fundamental" e do "conceito da 'mãe suficientemente boa' (ou 'pais suficientemente bons'). "Para Winnicott, significa que os pais não precisam nem se querem perfeitos. Os pais precisam, sim, de estar presentes, disponíveis e de atender às necessidades dos filhos de maneira consistente e afetuosa, mas não têm de acertar sempre - os momentos de erros e falhas são normais", detalha. Maria Moreno lembra que "tudo isto faz parte de uma relação real e saudável e permite que os filhos vão vivendo pequenas frustrações, que ajudam a criança a perceber que o mundo nem sempre se molda ao que ela quer, promovendo o seu desenvolvimento emocional e a sua resiliência".
Num segundo nível, a psiquiatra sublinha que é preciso "deixar os filhos bater com a cabeça". "Errar, sair frustrados, falhar", detalha a especialista. "Passámos do século em que não se elogiava, em que 'aguenta' era o mote, para o século em que elogiamos tudo - o bom, o mau - importa apenas proteger", contextualiza.
Psiquiatra Maria Moreno
E se Maria Moreno espera não ser mal interpretada e insiste que "importa elogiar, mas o esforço e a dedicação no processo", a médica pede também para "proteger, mas não em demasia". Nesse sentido, prossegue, "mais do que 'criar filhos felizes', precisamos de criar filhos que saibam lidar com a infelicidade, que saibam que o mundo não os valida o tempo todo".
E se a "resiliência é o melhor que podemos oferecer aos filhos", importa também "estar lá quando corre bem e quando corre mal, com tempo e com presença real, com regras que não mudam conforme o humor ou a culpa", sublinha a especialista.

