O trail em Portugal, capítulo II. Depois do retrato da comunidade, abordemos a certificação dos eventos e a questão da segurança.
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Na última edição traçámos aqui um retrato daquele tipo de corrida de natureza a que se consensualizou apelidar "trail" e de uma comunidade que explodiu em meia dúzia de anos para 200 mil praticantes, um crescimento astronómico e ultrassónico atribuído pelo presidente da Associação de Trail Running de Portugal (ATRP) à multiplicação de provas.
Este ano, ascendem a 318 os eventos de trail, cada um com pelo menos duas distâncias. Uma enormidade que Rui Pinho explicava então pelo facto de se julgar ser "mais fácil e mais barato" organizar um trail do que uma corrida de estrada. O que, por arrasto levanta outra questão: a da segurança.
Sim, é fácil e barato organizar um trail, se não forem cumpridos os requisitos e regulamentos internacionais, explica-nos agora o presidente da ATRP, que remete para o site da Federação Portuguesa de Atletismo (FPA), de que a associação de trail é "associado extraordinário".
Ora, o que ali está estipulado é que as "corridas em trilhos e areia" devem estar conforme "normas e regulamentos internacionais nas organizações de provas atletismo". Claro como água.
Há quase três anos, uma prova ficou famosa como exemplo daquilo que uma corrida de trail organizada não pode ser: perderam-se atletas, ninguém os resgatou, a organização eclipsou-se... O que faltaria ali? Tudo. Ou praticamente. E se acontecer algum acidente? Felizmente, a pergunta ficou sem resposta.
Qualquer evento desportivo exige licenciamento da autarquia onde decorre, porque vai inevitavelmente usar espaço de domínio público. E obriga, além disso, à autorização dos proprietários quando atravesse domínios privados - como é regra em 80% dos percursos de trail.
Muitas vezes, lamenta Rui Pinho, as organizações limitam-se a pedir licença à respetiva câmara, que se limita, do seu lado, a conferir o parecer da associação distrital de atletismo - que é a quem compete dá-lo, por delegação da FPA, mas que nem sempre serão conhecedoras das regras de certificação estabelecidas no próprio regulamento da federação. Para lá de determinar a conformidade com regulamentos internacionais, estabelece que a certificação compete à ATRP.
"Como as provas não decorrem em espaço público, a maioria das câmaras não procura saber se estão licenciadas junto de quem deve fazê-lo". E isso implica entidades como a Proteção Civil, o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (que abarca as áreas protegidas)... "Já houve provas licenciadas por câmaras sem parecer do ICNF". E o instituto, tem dias, recusa mesmo autorizar a passagem por áreas protegidas, por um ou outra razão que só a ele assiste.
"A ATRP só certificou 79 provas", diz o dirigente, enumerando a série de requisitos pedidos. Coisas que vão dos seguros (responsabilidade civil de desportivo, e não um simples seguro coletivo que, nas exceções, avisa que não cobre acidentes desportivos...), aos planos de segurança para evacuação dos trilhos em caso de acidentes, incêndios ou mau tempo, passando por termos de responsabilidade, regulamentos e, claro, a licença dos proprietários. "Há uns anos, a dada altura de uma prova os atletas foram acolhidos por um tipo de caçadeira", recorda Rui Pinho.
"Como se trata de corrida em ambiente natural e propício a acidentes, a nossa preocupação é o atleta. E há muitas provas de trail sem parecer nem da associação distrital de atletismo, nem da ATRP", pelo que, com a FPA, a associação decidiu disponibilizar online toda a documentação necessária, incluindo o "requerimento de autorização de evento de trail", no site da própria federação.
Em breve, a promessa é da listagem online das provas certificadas, para que os corredores saibam ao que vão. Mas alguma prova não constar, ressalva o dirigente, não significa que não cumpre o exigido. Não há é nenhuma garantia nesse sentido.