Muitos jogadores escapam às lesões e ainda não falharam um jogo nesta época. Em alguns casos, a sequência sem interrupções vem desde 2019/20
Corpo do artigo
A temporada caminha para a reta final e está recheada de exemplos de que o trabalho de um jogador não se limita apenas ao processo de treino, mas também ao comportamento evidenciado fora do relvado. O calendário tem sido apertado, o risco de lesões aumenta, os treinadores queixam-se e a rotatividade é a solução para diminuir a carga aos futebolistas.
As lesões são os "acidentes" mais naturais para quem vive do desporto e ninguém está livre desse calvário mas, num ano em que a bola se farta de rolar, há quem tenha tido a "sorte" de não ter falhado um jogo na Liga por problemas físicos. Se excluirmos os guarda-redes, em que o desgaste físico é menor, Coates é o totalista: o central do Sporting não falhou qualquer minuto, tem sido decisivo e a sequência já vem da época anterior, contando com 33 jogos disputados consecutivamente. O calendário dos leões tem sido mais leve, sim, mas o que dizer de Ricardo Esgaio, lateral do Braga, que mesmo com uma grande sobrecarga competitiva europeia falhou apenas nove minutos?
"Sabemos, por vários estudos da UEFA, que numa equipa de 25 atletas poderemos ter cerca de 50 lesões por ano, embora 25% sejam ligeiras. Existirão atletas com mais de uma lesão e atletas que nem sequer poderão tê-las", explica ao JN o médico Henrique Jones.
Então, quais os "segredos" para se evitarem os problemas musculares? "Há vários", afirma o treinador João Aroso: "Um tem a ver com a morfologia do jogador. Há atletas que, sujeitos ao mesmo tipo de sobrecarga, respondem de forma diferente. Trabalhei com jogadores que eram excelentes profissionais e tinham uma frequência de lesão grande e outros que não. Há os métodos de treino, o tipo de trabalho dos fisiologistas e a densidade competitiva, que quanto maior for, maior é o risco de lesão. Por último, há o trabalho de casa, que é muito importante".
Após os treinos, o trabalho não acaba. Há o descanso - nunca se deve dormir menos de oito horas - e uma alimentação rigorosa. "Sendo os hidratos de carbono a nossa preferencial fonte energética, uma das estratégias passa por aumentar o consumo de alimentos ricos neste nutriente. Mas é importante garantir um aporte de frutas e hortícolas para proteger a saúde, cereais integrais para garantir combustível e fontes de proteína como laticínios, ovo, carnes magras e peixe para ajudar na adaptação ao esforço", salienta o nutricionista Filipe Sousa.
Coates (Sporting)
O uruguaio ainda não falhou qualquer minuto na Liga esta temporada (jogou os 1980 em 22 jogos) e tem estado em destaque nos leões até a marcar golos bem decisivos. A sequência de duelos de Coates já vem desde a época passada - o central joga consecutivamente há 33 jogos - o que dá um total de 2970 minutos.
Ricardo Esgaio (Braga)
Tem tido uma época em cheio e é o mais utilizado do Braga. Esgaio participou em todos os jogos da Liga - falhou apenas nove minutos - e tem uma sequência de 26 duelos que também já vem da época passada. Além do campeonato, ainda disputou seis jogos na Liga Europa, seis na Taça de Portugal e três na Taça da Liga.
Ruben Lima (Belenenses SAD)
Rúben Lima atuou em todos os jogos do campeonato, tendo sido titular em 21 duelos. O lateral esquerdo não falha um encontro desde 11 de junho de 2020, ou seja, desde a 26.ª jornada da época passada. No total, só esta temporada, soma 1906 minutos. Também disputou quatro jogos na Taça de Portugal.
Fernando Fonseca (Paços de Ferreira)
O lateral tem sido um dos eleitos de Pepa na surpreendente época do Paços de Ferreira. Fernando Fonseca foi titular 20 das 22 jornadas disputadas e tem uma sequência de 23 duelos: não falha um desde a última jornada de 2019/20. Fernando ainda disputou um jogo para a Taça da Liga e dois para a Taça de Portugal.
Claude Gonçalves (Gil Vicente)
Claude Gonçalves já leva 1644 minutos nas pernas esta época. O médio dos gilistas participou em todos os jogos da Liga, tendo sido titular em 20 das 22 jornadas. O português não falha um jogo desde a última jornada da época anterior e ainda disputou quatro jogos para a Taça de Portugal.
Mini entrevista
José Gomes Pereira, médico: "Às vezes, é preferível recuperar do que treinar"
Que cuidados é que um atleta deve ter para evitar lesões?
Há vários aspetos envolvidos. As características do próprio atleta, as características do treino, o tempo de recuperação... Depois, há a alimentação e o descanso, que é fundamental. Um atleta treina diariamente e chega aos limites da capacidade física. Tem de recuperar. Para mim, não se pode dizer que haja segredos. O que há são características do atleta, dos processos de treino e da vida enquanto jogadores.
Mesmo com todos os cuidados, o risco de lesão é inevitável...
Os atletas podem ter acidentes e esses acidentes são as lesões. São praticamente inevitáveis. Agora, as lesões por sobrecarga, por excesso de treino ou por erros no processo de treino, são corrigíveis. Tem a ver com a metodologia. Mas quando o atleta está lesionado, há certos exercícios que pode fazer. Não pode treinar de forma livre, mas pode fazer treino específico, que não conflitue com a recuperação e que permita manter a condição física.
Quando há uma grande densidade de jogos, que técnicas se podem adotar para uma melhor recuperação?
Os cuidados devem ser redobrados. Existem várias técnicas, como a utilização da crioterapia, do repouso ativo, do treino regenerativo. Quando se diz que um atleta, quanto mais treina, mais melhora, não é verdade. É preciso é treinar bem, ter uma boa qualidade na execução das tarefas. Não é só quantidade. Quando há uma grande densidade de treino e, principalmente, de jogos, às vezes é preferível recuperar do que treinar.
Os métodos de treino para um jogador mais velho são os mesmos dos atletas mais jovens?
Treinar um jovem de 20 anos não é o mesmo que treinar um atleta de 32 ou 33 anos, porque os processos adaptativos são diferentes. No segundo caso, é um treino fundamentalmente de manutenção, de minúcia para apurar as qualidades. Não é um atleta que esteja em construção. É um atleta que já está construído e que tem de fazer um treino de manutenção e otimização.