Confrontos no F. C. Porto-Sporting causou um efeito de mimetização na formação. Distúrbios no hóquei em patins fazem temer nova onda de choque
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Os confrontos ocorridos nos jogos de hóquei em patins entre o Sporting e o Benfica, realizados neste mês, poderão ter impacto semelhante àquele que se verificou, em 11 de fevereiro, após o desafio de futebol que opôs F. C. Porto e Sporting. As agressões entre futebolistas geraram um efeito de mimetização, levando a que atletas dos escalões de formação e intervenientes dos jogos de futebol amador e distrital imitassem os comportamentos reprováveis que se viram no Estádio do Dragão.
Já em maio, após uma batalha campal no final do Famalicão-Braga, o então treinador dos arsenalistas, Carlos Carvalhal, alertou: "Isto não é futebol e temos de dar o exemplo, principalmente aos miúdos que nos veem". Os avisos do técnico são reforçados por dirigentes e treinadores dedicados à formação e pelas punições da Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto (APCVD) que, só em abril, sancionou nove intervenientes desportivos. Alguns são adolescentes que têm de pagar coimas de mil euros.
O clássico entre dragões e leões desenrolou-se sempre num clima de tensão, mas foi após o apito final do árbitro João Pinheiro que o pior aconteceu. Jogadores, dirigentes e treinadores envolveram-se, em pleno relvado, em empurrões, insultos e tentativas de agressões e dois elementos de cada equipa foram expulsos.
Até funcionários da publicidade estática foram alvo de um processo disciplinar, instaurado pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, por serem suspeitos de terem agredido um jogador do Sporting. Tudo em direto e com milhões de telespetadores a assistir.
Na semana seguinte, este comportamento foi imitado por jovens atletas e jogadores amadores. "Foi incrível o número de situações que nos chegou ao conhecimento ocorridos em competições amadoras e até em escalões de formação. Logo na semana seguinte. Houve jovens quase a replicar o comportamento que viram nos atletas profissionais", afirma o presidente da APCVD.
Rodrigo Cavaleiro salienta que a ligação direta entre um e outro acontecimento "carece de evidência científica", mas não receia em salientar as "coincidências evidentes". "É possível identificar, em semanas após um incidente mais mediatizado, que nas competições amadoras e até em competições jovens se verificam incidentes com mais frequência e até semelhantes aos dos profissionais", frisa.
Tudo é replicado
Hélder Melo, licenciado em Psicologia e ex-treinador da Dragon Force, projeto de formação do F. C. Porto, sublinha as conclusões de Rodrigo Cavaleiro. "O comportamento dos atletas profissionais tem uma grande influência nos jogadores da formação". E explica os motivos para esta relação de causa e efeito. "Os miúdos reveem-se nos modelos que são os atletas de alta competição e tudo o que eles fazem de bom é replicado. E o que fazem de mau também".
Hélder Melo defende, ainda, que quanto maior for o protagonismo dos intervenientes em ações de conflito maior são as ondas de choque. "As consequências de cenas agressivas são proporcionais ao mediatismo dos eventos desportivos onde elas ocorrem", sentencia.
Este é o motivo que leva a que hajam réplicas dos acontecimentos verificados quer no pavilhão da Luz, onde vários jogadores trocaram agressões a poucos minutos do final do jogo, quer no pavilhão João Rocha. Aqui, a PSP foi obrigada a intervir para acalmar os ânimos nas bancadas e, no fim, deteve duas pessoas (incluindo um dirigente leonino) e identificou outras dez.
Solução passa pelo treinador, punições e sensibilização
Rodrigo Cavaleiro assegura que "não há situações miraculosas" para acabar com a violência no desporto. E acrescenta que as medidas punitivas não são suficientes para terminar com as agressões em estádios e pavilhões. "Temos também de trabalhar a parte da sensibilização", diz, com "estratégias de médio e longo prazo" que demoraram a surtir efeito, mas que são a solução mais sólida para alcançar as necessárias "mudanças comportamentais". O cartão branco, mostrado a atores que se destaquem pelo desportivismo e ética, é uma das iniciativas implementadas com este objetivo. Hélder Melo apresenta outro fator fundamental: o treinador. "Tem um papel muito importante e a solução para minimizar casos de violência, sobretudo entre os mais jovens, passa por ele. O treinador é o farol e o líder", frisa. O ex-treinador licenciado em psicologia alega que os técnicos dos escalões de formação "têm de ter um discurso crítico relativamente a aspetos negativos" e, depois, ser consequente com o que defendem. "As regras têm de estar bem definidas", propõe.
Nove agentes desportivos sancionados em abril
Só no mês de Abril, a APCVD sancionou nove agentes desportivos pelo "incumprimento do dever de usar de correção, moderação e respeito". Dois deles, entre os quais um jogador de uma equipa júnior de futsal, de Valongo, foi condenado a pagar 1000 euros. Já um atleta juvenil, também a competir na Associação de Futebol do Porto, foi sancionado com 750 euros. Entre as sanções decretadas pela APCVD só uma diz respeito a equipas de um campeonato da primeira divisão. Foi aplicada a um agente desportivo de um clube de Lisboa a disputar a principal competição de hóquei em patins em Portugal. Todas as restantes penalizações foram impostas a agentes desportivos de equipas de formação ou dos campeonatos distritais. O último relatório da APCVD mostra, igualmente, que há 137 pessoas proibidas de entrar em estádios ou pavilhões desportivos. Destas sanções, 89 foram decretadas neste ano e somam-se às 42 penas acessórias de privação de direito de entrar em recintos desportivos decididas pelos tribunais, em 2020.
AF PORTO
S. Lourenço-S. Pedro da Cova
Interrupção, soco e empurrão
A 30 de março, o jogo da Taça AF Porto entre o São Lourenço do Douro e o São Pedro da Cova 1937 foi interrompido, aos 60 minutos, porque o árbitro Ricardo Carriço sentiu que, sem policiamento no campo, não havia condições de segurança para continuar. Quando voltava aos balneários, o juiz foi agredido com um murro e empurrado nas escadas, num episódio descrito pelo clube da casa como de "extrema violência". O presidente dos visitantes, Vítor Catão, foi alegadamente o agressor e está suspenso.
AF LISBOA
Pregança-Salesiana Estoril
Dois cartões e murro ao juiz
No dia 26 de março, o jogo entre o Pregança e o Salesiana Estoril, da 1.ª Divisão da AF Lisboa de futsal, ficou marcado por cenas lamentáveis que envolveram o capitão da equipa visitante, Francisco Vaz, e o árbitro da partida, André Cardoso. Depois de ser sancionado com uma falta, o jogador viu um cartão amarelo e logo a seguir um vermelho, partindo depois para uma agressão violenta ao juiz, atingindo-o na cara com um soco. Francisco Vaz acabou mesmo por ser detido pelas autoridades.
AF PORTO
S. Félix-Senhora da Hora
Discussão precede ato violento
A 13 de março, o jogo da 23.ª jornada da 1.ª Divisão da A. F. Porto entre o São Félix da Marinha e o Senhora da Hora foi interrompido devido a uma agressão de um jogador da equipa visitante ao árbitro André Gomes. Baresi, defesa do Senhora da Hora, foi mesmo detido e no dia seguinte apresentado a tribunal. O juiz, que já não retomou a partida, recebeu tratamento hospitalar. A agressão foi precedida de um cartão vermelho mostrado pelo árbitro ao jogador e de uma discussão entre os dois
LIGA 2
Estrela da Amadora-Benfica B
Pontapés no acesso ao balneário
No final de novembro do ano passado, o árbitro Miguel Nogueira relatou ao Conselho de Arbitragem (CA) da FPF a existência de agressões no jogo entre o Estrela da Amadora e o Benfica B, a contar para a 12.ª jornada da Liga 2. Os incidentes ocorreram no corredor de acesso aos balneários do Estádio José Gomes, na Reboleira, onde a equipa de arbitragem foi pontapeada.
FLASH
"Coimas são um importante papel dissuasor"
Vítor Pataco - Presidente do Instituto Português do Desporto e Juventude
Há evidências que um comportamento agressivo por parte de um atleta profissional é replicado por jovens atletas ou por jogadores amadores?
Há, pelo menos, essa perceção, quer por parte da APCVD, quer por parte de dirigentes desportivos, nomeadamente presidentes de associações distritais de futebol. Estes referem que o número de ocorrências disciplinares aumenta nos jogos que se realizam nos dias imediatamente a seguir a um jogo mediático, onde ocorreram atos violentos ou comportamentos indevidos.
Como é que se pode combater este efeito mimético?
De acordo com a nossa experiência, pode combater-se de várias formas, designadamente ao nível dos dirigentes desportivos, quando fazem uma condenação imediata dos atos violentos; com campanhas preventivas, como é o caso da campanha Violência Zero, e pela divulgação de gestos e atitudes de fair-play, para que a mimética aconteça pela positiva. Um bom exemplo é o do cartão branco, que tem vindo a ser mostrado com maior frequência, e também a divulgação que a imprensa faz dos casos de fair-play, em particular a imprensa local e regional.
Os clubes de menor dimensão ou atletas com menos recursos têm condições para enfrentar esta problemática?
Os adeptos, ao sentirem que estão a prejudicar o seu clube, tenderão a alterar os comportamentos, pelo que entendemos que as coimas ou sanções pecuniárias desempenham um importante papel dissuasor. Para além das coimas, acreditamos que a crescente reprovação social de comportamentos inadequados ajudará os clubes a eliminar este problema.