O presidente António Salvador, em entrevista ao JN, fala do momento do clube minhoto e projeta um futuro que acredita ir ser risonho.
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A conquista da Taça da Liga já fazia parte das promessas que fez para um ano de centenário de muitas conquistas?
Não prometo nada! Fundamental é a competência no trabalho e a ambição de ganhar sempre. Foi uma conquista importante, até porque era o último ano da final four em Braga e ainda não nos tinha sido possível vencer. Os jogadores foram extraordinários, eliminar duas grandes equipas não se consegue todos os dias. Foi uma demonstração de competência.
Um título no ano de centenário seria ouro sobre azul?
Ao contrário do que se diz, não prometi um título. Acredito e sonho com isso. Acho que já estivemos mais longe. Conquistámos coisas que ninguém imaginava. Há que continuar a trabalhar. O futebol português está numa desigualdade tremenda. Benfica, F. C. Porto e Sporting têm receitas que lhes permitem orçamentos que jamais o Braga terá, mas não é o dinheiro que faz com que as equipas ganhem no campo. Ajuda a ter melhores jogadores e depois há uma massa social em volta que o Braga e outros não têm.
Não sente que o Braga está num patamar acima do Sporting?
O Sporting tem um orçamento de mais de 100 milhões de euros. A folha salarial é de 80 milhões, salvo o erro, o Benfica de 100 milhões... O Braga é de 18 ou 19 milhões... É uma diferença tremenda. Boa parte das vendas que fazemos o dinheiro tem de ser para cobrir o orçamento. Por muito que se venda, não se pode pensar que é tudo para investir. É um esforço enorme. Ir um ano à UEFA é fácil, difícil é andar sempre lá, tem custos.
Mas a médio prazo o clube não pode estar ao nível dos grandes?
A nível social e de orçamento, nunca será possível. É uma questão histórica. Mas não vamos deixar de lutar e de tentar continuar a crescer.
O Benfica é atualmente o grande mais difícil de ultrapassar?
São todos.
Mas o Benfica tem ganhado mais...
Na última década deu passos seguros. Teve a visão da criação de infraestruturas. Percebeu que o futuro era esse. É o caminho que também estamos a trilhar. Nisso estamos já perto do nível do Benfica. E aí, a um certo nível, estamos à frente de F. C. Porto e Sporting nessas condições. Este é o nosso caminho.
Está há 17 anos a liderar o Braga. Gostava de bater o recorde nacional de longevidade à frente de um clube?
Não penso nisso. Fui presidente muito jovem. Vim com espírito de missão, ainda hoje é assim, mas não olho a recordes. Importante é o que o clube continue a honrar a cidade, os associados e o país.
O Braga tem jogadores como Galeno e Palhinha, que jogaram em grandes. É fácil convencê-los a vir?
Eles sabem o que é o hábito de ganhar e da pressão. Conseguiu-se comprar o Galeno ao F. C. Porto. Há uns anos, era impossível ir buscar um jogador por 3,5 milhões. Hoje, é possível, se calhar vai ser possível ainda mais. Também comprámos ao Barcelona [Abel Ruiz], por oito milhões de euros, que é um jovem talento. São provas do crescimento do clube.
Foi o scouting do clube que descobriu este jogador?
Temos grandes profissionais. Fazemos análises constantes. Era um jogador que estava identificado. Estavam dois, mas um foi para a Roma. Conseguir um plano de pagamento a cinco anos fez-nos avançar.
O Palhinha pode continuar, após o final do empréstimo?
Temos conversado com o Sporting. Mas não sei se vai ser possível. A seu tempo, iremos tratar.
E o que podem os sócios esperar até ao primeiro centenário?
Um clube em crescimento, de forma sustentável. Este ano, já ganhámos a Taça da Liga e fizemos uma das maiores transferências de sempre do Braga [Trincão]. Este é o crescimento que queremos para a sustentabilidade do clube.
Confirma-se para este ano o começo das obras da segunda fase da "Cidade Desportiva"?
Sim, vai avançar em breve. Estamos aqui há quase três anos, é notório o crescimento e o talento criado. Temos tudo concentrado, o que não acontecia, pois andávamos com a casa às costas. É um trabalho muito meritório, em tão pouco tempo. Outros clubes que têm estas infraestruturas só agora estão a dar frutos, mas têm uma Academia com quase 15 anos, como o Benfica. Estamos a caminhar para que, em Portugal, o Braga não esteja em plano inferior a nenhum clube, nestas condições.
O que vai mudar, em concreto?
Vai envolver não só a formação, mas a massa associativa do clube, com a parte das modalidades, a vertente administrativa e toda a estrutura profissional. Isto não é um projeto meu, é de um clube que quer ter futuro e crescer. É uma questão de identidade e um pilar importante nesse sentido.
Será a grande obra do presidente ou preferia ser o primeiro, fora do eixo Porto/Lisboa, a ser campeão nacional?
É diferente. As coisas, um dia, acontecerão normalmente. É preciso primeiro criar bases, condições e infraestruturas. Também será fundamental a envolvência dos sócios, da cidade e da região. É importante criar um espírito forte e ter jogadores que sintam isso.
A cidade e a região estão com o clube?
Tem havido um trabalho fantástico, desde as escolas. Hoje, 53% dos sócios têm menos de 23 anos. Isso diz bem do que fizemos na última década. É o futuro do clube. Sentir o Braga é fundamental.
Mas não sente que o estádio podia ter mais gente?
É uma verdade. O estádio é o que é... Depende também muito de nós e dos resultados. As pessoas são cómodas, quando se ganha é uma alegria, quando se perde é uma frustração. Temos de criar essa cultura. É preciso que os sócios estejam connosco.
"É um orgulho para o Braga fazer uma transferência para um clube como o Barcelona"
Trincão foi vendido em janeiro ao Barcelona por 31 milhões de euros. Há outros jogadores formados no clube que possam vir a superar a fasquia?
É um orgulho para o Braga fazer uma transferência de um jogador para um clube como o Barcelona, um dos maiores do Mundo. Mas há outros talentos e já tivemos boas transferências, como o caso do Neto. Acredito que isso será a base da sustentabilidade do clube. Queremos reter talento. Antes, isso era difícil, hoje não só quer cá estar quem está, como os que não estão cá querem vir. Isso é muito derivado à competência do que é o Braga e do que proporcionamos.
A ideia é vender jogadores para gerar receita ou criar uma base na equipa para o Braga lutar pelo título?
O Braga tem de criar um núcleo duro forte, de jogadores com experiência e um misto com jovens. Não escondemos que todos os anos vamos ter de vender talento, porque se queremos estar ao nível que estamos e se queremos crescer como temos vindo a crescer, teremos de todos os anos fazer vendas, mas penso que isso não será só no Braga, está provado que em Portugal todos os clubes vão ter de o fazer. Nisso, o Braga não fugirá nunca a essa regra.
Esse negócio ajudou a que janeiro fosse o melhor mês dos 17 anos consigo a presidente?
Já vivemos muitos momentos importantes. Não faço as contas por aí. É uma sequência natural que acredito vai continuar. Em dezembro, estávamos num momento um bocado complicado, no campeonato, houve mudança técnica e janeiro foi um mês excecional. Ganhámos todos os jogos, conquistámos um troféu e fizemos a maior venda de sempre, com a vantagem de o jogador ficar cá e a ajudar a equipa, até final da época.
Foi um ponto de honra que Trincão ficasse até junho?
Sim. Não queríamos vender o jogador agora, o Barcelona é que o queria agarrar já. Uma das condições foi que chegasse à cláusula de rescisão, mas com a condição de ficar até final desta época. E assim foi.
Ficou surpreendido com o interesse do Barcelona?
Quem conhece o Trincão e o acompanha ao longo dos anos, sabe o talento que este jogador tem. Vai ser dos melhores do Mundo, não tenho dúvidas. É um miúdo muito focado no dia a dia de trabalho, que fica a leste do resto e se empenha totalmente no que tem de fazer.
Foi uma negociação muito dura com o Barcelona?
Não, porque tivemos propostas de alguns clubes e abordagens, que estavam muito longe do que pretendíamos, nomeadamente de Itália, de vários clubes. Tivemos em janeiro uma proposta da Atalanta, de dez milhões de euros. Mas não servia para o que desejávamos. Quando apareceu a hipótese Barcelona, fomos muito claros: só havia uma maneira de resolver, que era a de dar o valor da cláusula. Assim, foi fácil de resolver e fez-se o negócio.
Na Cidade Desportiva há mais talentos capazes de virem a ser outros Trincões?
Há uma aposta nesse sentido. Mas devo dizer que falta fazer uma análise clara dos que passaram por este clube. Tivemos jogadores, já do meu tempo, que estão em grandes clubes. Diego Costa veio para a nossa formação, foi para o Atlético de Madrid e fez a carreira que fez. Podemos falar do Pizzi, que esteve na nossa formação e hoje é dos jogadores mais influentes do campeonato português. Fomos buscar o Rafa à segunda divisão, foi a maior transferência entre dois clubes portugueses e se calhar vai ser para sempre. Na altura, foi uma situação muito criticada e hoje está provado que o valor que o Benfica pagou foi merecido e que tem trazido alto rendimento.
Éric Abidal, diretor desportivo do Barcelona, admitiu há dias que a contratação de Trincão "é um risco", mas acha que o jogador sairá "barato daqui a 10 anos". Acha que será assim?
Concordo com o que ele diz. É um risco medido e não tenho dúvida de que o Trincão se vai impor. Acredito que acabará por ser barato para o que é a dimensão do Barcelona.
"Rúben Amorim sabe agregar tudo"
Foi criticado por contratar Rúben Amorim, mas os resultados melhoraram com a troca de treinador...
Percebo as críticas, depois de fazermos a carreira europeia que fizemos. Mas no campeonato não estava a correr bem, diria que estava mesmo a correr muito mal: tínhamos, até dezembro, a pior pontuação desde que sou presidente. Mas só quem está cá dentro é que percebe o que está a correr bem ou a correr mal.
Teve o chamado clique?
Tive a sensação de que era preciso uma mudança, para haver um clique, uma viragem. Conhecíamos bem o grupo de trabalho. Quando o preparámos, no início da época, não foi com o treinador Sá Pinto. Tínhamos um plantel para fazer um bom campeonato, dentro dos objetivos que nos propusemos e está provado que é um grande grupo de trabalho. Quando mudei o treinador achava que o clube precisava de uma pessoa que tivesse uma identidade dentro do clube e que percebesse que o clube não é só a equipa principal, mas é uma área transversal. Escolhemos o Rúben Amorim, que foi jogador do clube e jogou ao mais alto nível pelo Braga, inclusive na Liga dos Campeões. Tinha sido contratado meses antes para a equipa B e acompanhei-o. Conversámos muito e vi que era uma pessoa que percebia o que era um clube como o Braga e o que necessitava. Apostei nele, foi uma convicção e uma decisão que tomei antes da saída de Sá Pinto, independentemente dos resultados.
Mas a equipa acabara de vencer em Paços de Ferreira por 4-1...
Esperei pela paragem do campeonato, para fazer a mudança. Percebi que as pessoas não gostaram, até porque realmente tínhamos acabado de ganhar 4-1 ao Paços de Ferreira e de nos apurar para a final four da Taça da Liga, uma das metas da época. Tínhamos a meio da semana perdido na Luz para a Taça de Portugal, jogámos bem, mas infelizmente fomos eliminados, mas a decisão tinha sido tomada antes desses dois jogos. Podíamos até ter vencido também na Luz, mas a decisão estava tomada.
Se pudesse voltar atrás, não teria escolhido Sá Pinto?
Fomos surpreendidos com a saída do Abel [Ferreira] para o PAOK. Não contávamos com isso. Tivemos de arranjar um treinador. Não havia, nem há treinadores por cá, com condições e habilitações para poder treinar. Em Portugal, há um grande défice de treinadores com qualidade, porque os bons estão lá fora e nisso o Braga serviu para lançar vários, como Leonardo Jardim, Paulo Fonseca e Jorge Jesus, entre outros. Há ainda o caso de Sérgio Conceição, que está no F. C. Porto. Surgiu a hipótese Sá Pinto, tive uma conversa que foi agradável. Fiquei com a convicção de que era a pessoa certa e avançámos, mas ao longo deste período e independentemente da relação diária que era excecional e cordial, percebemos que o futuro não poderia passar por esse projeto. Faltava uma identidade transversal e tem de ser uma pessoa que perceba isso e que comece na base até à equipa principal.
Olha para Rúben Amorim como técnico que possa fazer trajeto igual a outros que estiveram no Braga e singraram depois em outros clubes?
É subjetivo, mas tudo aponta nesse sentido. O Rúben pode vir a ser um dos melhores treinadores do futebol português. É uma pessoa que sabe agregar tudo o que está à volta dele, isso é importante. Haver um bom ambiente, de convívio e de união, é considerado como fundamental. O Rúben está a fazer isso bem, acredito que pode fazer um grande trabalho e que seja uma pessoa que vá estar cá durante muitos anos. Ele identifica-se muito com o Braga e gosta de estar cá...
"Somos a melhor equipa portuguesa na Europa"
Esta temporada, na Liga Europa, o Braga tem estado em excelente nível...
Sim, somos a melhor equipa portuguesa desta época, batemos o recorde de jogos seguidos sem perder (13), à frente do que outros clubes haviam conseguido e com boas sequências. Neste caso, ganhámos na maior parte das vezes, com alguns empates pelo meio. É uma carreira excecional, que naturalmente nos enche de satisfação. É mais um momento alto do clube.
É possível repetir a presença numa final europeia?
No futebol, sabemos que nada é impossível. No ano em que fomos à final da Liga Europa [2010/11] e jogámos frente ao F. C. Porto, muita gente não acreditava que isso seria possível. Até foi uma época em que fizemos alguns reajustes no mercado do mês de janeiro, com várias saídas, mas o plantel, que era muito bom, a determinada altura, começou a acreditar era possível, foi vencendo jogos e passando eliminatórias. Foi fantástico.
Para já, o Braga tem de lutar por tentar alcançar os oitavos de final...
Sim, esta época temos também feito uma carreira fantástica, mas temos agora um adversário muito difícil [Rangers, da Escócia], já o demonstrou contra o F. C. Porto, mas estamos confiantes de que podemos ultrapassar esta eliminatória e seguir em frente. Mas ainda não é tempo de falar nisso. Temos de fazer de cada jogo uma final, mas pensar sempre jogo a jogo. Não pode ser de outra maneira.
Qual é a prioridade desportiva do Braga para esta segunda metade da época?
Ganhar sempre o próximo jogo, seja qual for a competição. No final, faremos contas. Como disse o nosso treinador, estar em terceiro agora vale o que vale. Foi um passo importante, após uma recuperação fantástica, mas é preciso continuar a ganhar.
CV António Salvador
Data de nascimento: 29/12/1970 (49 anos)
Nacionalidade: Portuguesa
Cargo: Presidente do Sporting de Braga
Títulos: Taça da Liga (2012/13, 2019/20) Taça de Portugal (2015/16); Taça Intertoto (2008/09)