Carlos Sá sobreviveu ao desemprego, ao Vale da Morte e chegou à elite da ultramaratona
Carlos Sá pensa já no próximo desafio, um ultra-trail do Mont Blanc, nos Alpes, de 168 quilómetros. Especialista nos trilhos de montanha, o atleta português venceu uma das provas de estrada mais duras do mundo, a ultramaratona Badwater, nos EUA, que começou no Vale da Morte, na Califórnia, com temperaturas tão elevadas que derreteram o "chip" de identificação e deixou o treinador, que o seguia desde Portugal, preocupado com a vida do atleta de Barcelos.
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"Houve alturas de desespero, em que não havia rede e por isso não o pude seguir", contou o treinador Paulo Pires. "A meio da prova, o chip deixou de funcionar quando o Carlos Sá já devia ter passado por um posto de controlo... Ele estava bem, foi o chip que derreteu", contou ao JN, Paulo Pires, o treinador do atleta português.
A improbabilidade da vitória, à partida, tornou-a num feito ainda mais épico, cortada a meta em primeiro lugar. "Ninguém imagina as condições em que trabalhamos. Somos uns quantos amigos de montanha, que nos disponibilizamos a acompanhar o Sá ", conta Paulo Pires, que não viajou com o atleta até à Califórnia por falta de orçamento da equipa. Ficou em Portugal, a trabalhar de dia e a sofrer, à distância, de noite.
Desde terça-feira, o dia em que Carlos Sá fez o equivalente a cinco maratonas seguidas em 24 horas e 38 minutos, que as conversas entre o atleta e o treinador são "emocionadas". Os dois sabem o que a vitória significa.
Acabar a Badwater entre os dez primeiros era a expectativa da equipa portuguesa. "É uma lotaria. Vence quem sobrevive melhor às condições", lembra o treinador, que teme que a glorificação do feito de Carlos Sá faça esquecer a provação que foi alcançar a vitória. "Os riscos são tantos e o insucesso está sempre tão perto...".
O convite para a Badwater desviou Sá do trilho traçado pelo atleta e pelo treinador Paulo Pires. "Somos inexperientes em estrada e não estava no nosso plano de provas. Aceitámos este projeto no contexto de afirmação de Carlos Sá como ultracorredor", explica Paulo Pires. "E este era um ano para fazer reconhecimento e não para pensar vencer".
A organização da Badwater realçou o espírito de companheirismo entre as equipas de Carlos Sá e do mexicano Oswaldo Lopez, que durante quilómetros lideraram a Badwater. As equipas dos dois atletas apoiaram-se e ajudaram-se nos quilómetros que seguiram lado-a-lado. No fim, Sá foi mais forte e Lopez caiu para o terceiro posto.
A afirmação está garantida com este triunfo: "Carlos Sá pertence, hoje, à elite internacional", diz Paulo Pires, o amigo da montanha, que há cinco anos iniciou o trabalho com um grupo de atletas portuguesas. "Nos últimos três anos, conseguimos colocar portugueses na elite internacional".
Em Janeiro, Carlos Sá bateu o recorde na subida à montanha mais alta da América do Sul, a Aconcágua, no Andes argentinos, com 6962 metros. "Fomos os dois. Perguntaram-nos se tínhamos carregadores, massagistas e médicos. Não tínhamos! Eramos só os dois e duas mochilas de 50 litros", recorda Paulo Pires. "Fomos nós que carregámos as mochilas, montanha a cima".
Profissional das ultramaratonas
As ultramaratonas são, hoje, a ocupação principal de Carlos Sá. Tornou-se profissional, depois de ter garantido o patrocínio da "Berg" que o resgatou ao desemprego, há dois anos.
Sá, de 39 anos e pai de dois filhos, trabalhou na indústria têxtil, em Barcelos, durante anos, mas ficou desempregado, durante o processo de reestruturação do setor. Por ter experiência de montanha, ainda realizou uma série de trabalhos verticais.
Desse tempo, o treinador Paulo Pires reteve a determinação e o espírito de sacrifício de Carlos Sá nos treinos, "depois de um árduo dia de trabalho".