A fechar a caravana da Volta a Portugal, o carro vassoura arranca palmas, gritos e sorrisos de milhares de pessoas de Norte a Sul do país. Passe o tempo que passar do pelotão, o público só desmobiliza depois de ver a viatura comandada por António José Rodrigues. A figura mais acarinhada pelo povo é a mais temida pelos ciclistas.
Corpo do artigo
Há seis anos que António José Rodrigues viaja da Madeira para Portugal continental com uma importante função: conduzir o carro vassoura da Volta a Portugal, a viatura que fecha o "cortejo" de carros, motas e bicicletas, dando ordem para o trânsito poder retomar a normalidade.
Mas não é só para marcar o fim da caravana que o carro vassoura existe. Caso algum corredor desista de prova é para lá que é encaminhado, de forma a chegar seguro ao final da etapa. E se em outras alturas a viatura podia levar ciclistas sem olhar ao número, a pandemia impôs um limite. "O máximo é três. A partir daí, se houver mais desistentes, temos que combinar com as equipas para os virem buscar ou para deixarmos os ciclistas nas carrinhas. E claro, temos que tomar os cuidados básicos como a máscara e o distanciamento", explica António José Rodrigues ao JN.
Este ano, o número ainda não foi ultrapassado, mas o condutor revela que em anos anteriores já teve que levar alguns consigo. As etapas tendencialmente mais duras, como a da Torre e da Senhora da Graça, são normalmente aquelas que mais precisam da ajuda preciosa de António. "Já cheguei a Mondim de Basto, antes da subida final, com meia-hora de atraso. Depende de como são atacadas as outras montanhas e como chega ali o pelotão", explica.
Além de condutor, o madeirense tem também de assumir um certo papel de "psicólogo-amigo" quando dá boleia a algum corredor. Nem sempre há conversa. Afinal, abandonar uma corrida não é motivo para sorrir. "Eles entram cabisbaixos e tristes. Ninguém gosta de desistir, sobretudo se for por alguma queda que os faça sentir muita dor. A conversa é de apaziguamento. Digo-lhes que a vida de ciclista é mesmo assim, tento dar-lhes moral e levantar-lhes a cabeça".
Se para os ciclistas, entrar no carro vassoura pode ser um autêntico pesadelo, para as multidões que enchem as estradas do país, a figura não podia ser esperada. "É completamente o aposto. As pessoas nem imaginam o carinho que o povo tem por este carro. Posso passar com 10, 15 ou 20 minutos de atraso em relação à cabeça do pelotão, que ficam à minha espera. É uma coisa do outro mundo", afirma, admirado, o condutor.
Pedem-lhe para buzinar, batem palmas, gritam de alegria, tiram fotografias. Oferecem-lhe um sem número de prendas que muitas vezes não pode aceitar. "Essencialmente é a bebida que não posso aceitar. Na estrada, há muita gente que quer oferecer coisas só para demonstrar o carinho que tem pelo carro".
Passa a etapa sozinho, mas não se sente solitário. Na estrada, reencontra amigos e conversa com anónimos. Nos quilómetros mais desertos, vai a ouvir música para passar o tempo. "Não é uma monotonia como se pensa. Às vezes, andar só tem as suas conveniências".