São dez anos de diferença nas idades e também dez pontos a separá-los na classificação, antes do F. C. Porto-Sporting desta noite. Sérgio Conceição e Ruben Amorim são duas pessoas e dois treinadores de características diferentes, que têm em comum a subida a pulso até ao topo da pirâmide do futebol, como jogadores e como técnicos.
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Conceição chegou ao estrelato enquanto futebolista e já foi duas vezes campeão ao leme do F. C. Porto. Amorim destacou-se a jogar no Benfica e está a ter uma ascensão meteórica na ainda curta carreira de treinador, primeiro no Braga e agora em Alvalade. O JN viaja até às raízes de ambos.
Da determinação nasce a aversão à derrota
Sérgio Conceição é como treinador o que foi como jogador: obcecado em ganhar e com um feitio difícil.
Foi um futebolista de elite a nível internacional e como treinador já chegou ao topo do futebol português. Os clubes onde jogou (F. C. Porto, Lazio, Inter, Parma, Standard Liège, PAOK) e os quase quatro anos que leva como técnico dos dragões falam por ele. Mas é a paixão pelo que faz e a determinação com que aborda cada desafio que fazem de Sérgio Conceição uma figura incontornável do desporto português. Controversa, também.
"Conheci-o quando veio jogar para os infantis da Académica, com 10 anos. Gostei logo do rapaz. A ambição já vem de pequenino. Chorava quando era substituído, mesmo se estivéssemos a ganhar por 5-0. Não gosta de perder nem a feijões. Sempre foi assim. Mas já Pedroto me dizia que são os miúdos da rua que mais singram no futebol", revela, ao JN, Paulo Costa, o primeiro treinador de Conceição.
"A família vivia com dificuldades e, na medida do possível, tentávamos ajudá-los. O pai era uma pessoa muito humilde, mas muito educado. O Sérgio tinha uma vontade e um espírito de sacrifício que nunca perdeu. A ambição e a determinação talvez sejam as melhores características dele", acrescenta o técnico de Coimbra, sem deixar de apontar a Conceição alguns defeitos: "Devia ter mais sangue-frio e não reagir às derrotas da forma que reage. Querer ganhar acima de tudo também prejudica. Os adversários são o mais importante no desporto porque sem eles não há vitórias. Desejo-lhe felicidades porque ele merece e pela vida que teve. E sei que ele não se esquece das pessoas".
Rui Duarte, atual treinador do Trofense, foi jogador de Sérgio Conceição no Olhanense, o primeiro clube que treinou, em 2012. "Já estava lá tudo o que um treinador de topo tem de ter. Envolvia toda a gente durante a semana, com aquela agressividade positiva que já tinha como jogador. Com exigência e rigor, transformou a mentalidade de um clube que lutava para não descer de divisão e ficámos em oitavo lugar. Dizia-nos que tínhamos de nos bater de igual para igual com qualquer adversário", recorda, corroborando a ideia de uma "aversão à derrota" que Conceição sempre teve: "Claro que já era assim. Ele nunca desliga e está sempre focado no próximo adversário".
Menino-prodígio esteve quase a jogar no Dragão
F. C. Porto quis contratá-lo em 2008 ao Belenenses, mas o benfiquismo de Ruben Amorim falou mais alto.
A carreira de treinador de Ruben Amorim tem sido um furacão. Uma verdadeira entrada de leão, primeiro no Braga e agora no Sporting, com a expressão ainda mais a propósito. No dia em que defronta o F. C. Porto, num jogo que pode deixar a equipa de Alvalade mais perto de um título que lhe foge há 19 anos, o JN conta-lhe um segredo bem guardado da carreira de futebolista do atual técnico leonino.
Em 2008, no fim da última de quatro temporadas ao serviço do Belenenses, na qual brilhou no meio-campo sob o comando de Jorge Jesus, Ruben quase se transferiu para o F. C. Porto. Os dragões foram ao Restelo contratar o central Rolando e queriam também levar o médio para a Invicta. A transferência esteve perto de acontecer, mas o Benfica também estava na jogada e não houve hipótese. Mais do que os valores envolvidos, falou mais alto o benfiquismo de Amorim, que acabou mesmo por rumar à Luz, onde viria a conquistar três títulos de campeão nacional.
A verdade é que a história de sucesso que foi a carreira de jogador de Ruben Amorim está a sê-lo ainda de forma mais meteórica na versão treinador. E para quem o conhece desde a adolescência, não se trata de uma surpresa. "Algures no ano 2000, o Ruben apareceu-me com a mãe, que foi sempre o grande alicerce dele, triste por ter sido dispensado nos iniciados do Benfica. Tinha 15 ou 16 anos. Era muito evoluído tecnicamente e sempre se interessou pelas palestras, esquemas táticos e pelo treino. Como pessoa, muito educado e culturalmente acima da média", conta, ao JN, Ricardo Bravo, que treinou Amorim nos sub-17 do Corroios. "Não demorei a perceber que tínhamos ali um líder de balneário. Foi sempre muito forte a nível de comunicação e ainda há pouco tempo lhe mandei uma mensagem a dizer que continua a um génio nesse aspeto. Acredito que se vai sagrar campeão no Sporting e o futuro dele será brilhante", acrescenta.
Marco Bicho foi jogador de Ruben Amorim na época de estreia como treinador, no Casa Pia, em 2018, e também não ficou com dúvidas: "Vi uma pessoa com talento e ideias, que se relaciona bem com os jogadores. Ao início, até era bonzinho demais, mas agora percebe-se que não dá hipóteses a ninguém. Gostava de brincar, mas no treino era diferente".