Augusto Inácio foi campeão por leões e dragões: "A nível individual, a equipa do F. C. Porto não tem nada de especial".
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Em 1999/00, Augusto Inácio conduziu o Sporting à conquista do campeonato, quebrando um jejum de 18 anos. O antigo jogador do F. C. Porto e dos leões, treinador também com êxitos acumulados, abriu o livro ao JN sobre o clássico e a possibilidade de o Sporting voltar a ganhar a Liga. Elogiou Pinto da Costa, explicou a importância de Sérgio Conceição no F. C. Porto, criticou a forma como saiu do Sporting e destacou ainda a consistência da equipa orientada por Ruben Amorim.
Encontra algum paralelismo entre o seu Sporting que ganhou o a Liga em 1999/00 e o atual?
É completamente diferente. Até porque nessa época não comecei no Sporting. Substituí, à quinta jornada, o italiano Materazzi, portanto apanhei o comboio em andamento. O Ruben Amorim planeou tudo e os jogadores foram escolhidos por ele. Não tem nada a ver com o meu tempo.
Qual é a equipa mais forte? A sua ou a de hoje?
A minha. Tinha mais peso individual, era mais batida e experiente.
O que o mais surpreende neste Sporting?
A consistência. Saiu cedo das competições europeias e da Taça de Portugal mas, entretanto, ganhou a Taça da Liga e lidera o campeonato com 10 pontos de vantagem. Todos esperam que escorregue, mas são os rivais que têm escorregado. Está mais preocupado com a sua forma de jogar do que com a dos outros e isso é a sua força.
O calendário tem, também, jogado muito a favor dos leões.
Sim, as qualidades do treinador e um calendário mais folgado são quase almas gémeas na produção da equipa. Os jogadores têm mais tempo para recuperar e para treinar. Relativamente ao treinador, não há só dedo do Ruben na equipa, há a mão, há a cabeça e há o seu corpo todo neste processo de crescimento do Sporting.
Amorim estreou-se na última época como treinador no Braga e está a singrar rapidamente num grande. Surpreendido?
Não, o ciclo de treinadores é mesmo assim. Este ano, as coisas estão a correr muito bem, mas não quer dizer que para o ano vá ser igual. Não me esqueço do que eu disse quando foi contratado: estranhei, na altura, o valor da transferência. No entanto, não eram as qualidades do Ruben que estavam em causa mas a situação financeira do clube. Para o Ruben as coisas estão a bater certo e foi coerente numa coisa que, para mim, é fundamental: a disciplina. Houve um caso com o Ristovski e impôs-se imediatamente. Foi o ponto de partida para o balneário perceber a sua autoridade. Depois arranjou um esquema adequado às características dos seus jogadores.
O título está entregue?
O Benfica e o Braga estão completamente fora da corrida e o F. C. Porto deu um tiro na cabeça quando empatou com o Boavista... Se o Sporting empatar no Dragão, é praticamente campeão.
O que vai oferecer o clássico?
Não sei. Olhando para as duas equipas, gosto muito da garra do F. C. Porto. Mesmo não jogando bem, os seus jogadores morrem em campo a tentar um bom resultado. Frente ao Sporting, irá à procura do resultado na primeira parte. Se estiver os 90 minutos em busca da vitória pode quebrar fisicamente. O Sporting, que é mais forte em transições do que em ataque organizado, vai apanhar um adversário mais desgastado e um plantel que não é assim tão rico. Não arrisco avançar com um favorito, nunca se sabe o que dão estes clássicos.
Elogiou a garra do F. C. Porto, mas esta época está muito aquém das expectativas.
Se calhar vou tocar aqui num ponto que pode ser um pouco polémico: a nível individual, a equipa não tem nada de especial. O F. C. Porto só está a lutar pelo título, foi recentemente campeão e ganhou a Taça de Portugal, porque tem um treinador chamado Sérgio Conceição. Incutiu a garra e o querer que são tão apanágio do clube. Na frente tem três jogadores de classe: Corona, Taremi e Luiz Diaz. O resto é tudo muito à base da garra. Se não viver do coletivo, não é pelas individualidades que vence.
Sérgio Conceição só tem contrato por mais uma época. Acha que vai continuar?
Ele começa a perceber que não pode fazer milagres todos os anos. Para continuar, e acho que ele quer continuar, o F. C. Porto terá de fazer um esforço. A contratação do Pêpê, na minha opinião um jogador muito melhor do que o Everton, é um sinal.
Portanto, a sua continuidade está mais dependente de investimento.
Sim. A estrutura sabe bem a equipa que tem e não é por acaso que o presidente Pinto da Costa referiu que o mérito principal dos títulos é do seu treinador.
Por falar em Pinto da Costa, considera que há alguém na estrutura do F. C. Porto com capacidade para o substituir?
É insubstituível devido ao carisma e à maneira como colocou a máquina a andar. Quem vier a seguir, se calhar tentará criar uma imagem igual ou parecida, mas não vai conseguir. O homem é único, nasceu para aquilo.
O que acha do atual momento do Benfica? Não é estranho tamanha ausência de resultados?
No seu jogo jogado, tudo é estranho. Já vi a equipa a atuar com três centrais, o que significa que está desconfiada de si. Quem não acredita pode mudar jogadores, mas não altera o esquema.
De quem é a culpa do mau momento?
É dúbio, porque ninguém assume nada. Já ouvimos Jesus a assumir que escolheu o plantel? Não. E Rui Costa e Vieira? Também não. Afinal quem construiu o plantel? Dá-me a sensação que já se está a sacudir alguma água do capote para tentar responsabilizar o treinador.
Diz-se que Jesus não é o mesmo.
Não perdeu capacidades. O que pode estar a acontecer é que há uma desconfiança mútua entre o treinador e os jogadores.
Se o Benfica terminar no quarto lugar, o que pode acontecer?
Sinceramente, acho que não haverá condições para a continuidade do treinador e do presidente.
Mantém algum relacionamento com Jesus?
Posso não falar 30 anos com uma pessoa, mas se me juntar com ela e os problemas ficarem resolvidos, tudo muda. Quando ele esteve com covid-19, enviei uma mensagem a desejar as melhoras. Ele respondeu-me com elegância.
Falando de si, tem pena de ter saído do Sporting em 2018?
A questão não foi a de ter saído, mas a forma como as coisas foram expostas. Eu senti vergonha daquela gente que está no Sporting, falo de Frederico Varandas e de João Sampaio. O presidente disse-me, em reunião, que eu não cabia no projeto e aceitei. A seguir, o João Sampaio mostrou-me o meu contrato, falou de uma alínea, e insinuou que eu quereria receber todo o dinheiro do vínculo, que terminava em 2021. Eu perguntei-lhe: estás a falar com alguém que caiu aqui de pára-quedas? Mete isso pelo c... acima, rasga essa m... que eu só vou receber até ao último dia de trabalho. Mas onde fiquei mais decionado foi quando saiu uma notícia, plantada pelo Sporting, de que eu tinha alterado o meu depoimento no TAS no que diz respeito à indemnização do Mihajlovic . Tiveram azar, porque o juiz nem sequer leu o meu depoimento. Porquê? O clube despediu Mijahilovic antes de 30 de junho e, por isso, já não era necessário. Fiquei revoltado por aquela gente me fazer aquilo, não gosto deles.
Voltou alguma vez a falar com Varandas?
Não, não tenho qualquer relação com ele. É um presidente que não respeita ninguém. Nem ele nem o presidente da Mesa da Assembleia-Geral, Rogério Alves. Não ouvem os sócios, não ouvem ninguém mas estão a agarrar-se a esta grande campanha da equipa.
Arrependeu-se de voltar ao Sporting pela mão de Bruno de Carvalho?
Não. Tudo o que seja ajudar o Sporting, eu não meço as consequências Se ainda falo com o ex-presidente? Há muito tempo que não falo com ele, mas isso não quer dizer que eu não seja seu amigo.
Apoiará Bruno se um dia voltar a candidatar-se?
Não apoio pessoas, mas sim programas.
O atual momento é mais mérito do treinador ou de Varandas?
Quando se ganha, todos têm mérito. Não vou deixar de o dar, apesar de não se ter percebido bem porque se despediram 20 ou 30 pessoas e logo a seguir foi contratado o Paulinho, por 16 milhões.