Clube fundado por refugiados subiu até à 1.ª Divisão com jogadores que fugiram da guerra e levou a festa ao... Curdistão
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Não fossem os desencontros políticos e territoriais entre o Irão e o Iraque, na década de 1980, e Rawez Lawan teria menos uma história para contar. A guerra obrigou os pais a fugir para a Suécia e, na semana passada, marcou o golo mais importante da história futebolística do Dalkurd FF. No estádio, três mil espectadores celebraram o feito, só que a festa também se fez no Curdistão e foi bem mais significativa do que uma simples subida de divisão.
Fundado em 2004, ao Dalkurd bastaram-lhe 13 anos para trepar do último ao primeiro escalão do futebol sueco. O sucesso desportivo é evidente, mas quase só serve para embelezar a história de um clube que saiu da cabeça de um grupo de refugiados curdos e que foi pensado como um projeto social para ajudar jovens problemáticos de Borlänge, a maioria deles também filhos da guerra. Para além de ser um ponto de encontro para gente tão martirizada, o futebol ainda serviu para derrubar barreiras culturais e minimizar problemas raciais.
É que, desde o início, o Dalkurd também cresceu com gente sueca e construiu feitos desportivos com jovens dos mais diversos pontos do planeta, quase todos com cicatrizes das armas no coração: Palestina, Serra Leoa, Iraque, Eritreia ou Gâmbia também estão representados no plantel atual, por exemplo. Já para não falar do capitão Peshraw Azizi, no clube desde 2011 e filho de um ex-guerrilheiro e refugiado curdo - "Agora continuo a luta do meu pai através do futebol", contou ao "The Guardian" -, ou de Ramazan Kizil, o fundador do Dalkurd e atual presidente, que fugiu do Curdistão em 1989. Ou dos irmãos Sarkat e Kawa Junad, detentores de 49% das ações do emblema de Borlange, desde o ano passado: antes de milionários, foram refugiados. Todos tiveram de fugir da guerra para hoje serem responsáveis por um êxito desportivo, mas também por levarem um rasgo de luz a tanta gente - 30 milhões de pessoas para ser mais preciso - mutilada na alma, mas com heróis em quem se inspirarem.
Sim, a independência, mas ao Curdistão ainda lhe negam vida e fustigam-no com argumentos bélicos. Enquanto desesperam por ser um país reconhecido, os curdos vingam-se através do futebol. Onde há bola, pode haver esperança.