As 14 anos endireitou a vida com fintas da rua para ganhar trocos

Desde a semana passada que Villa Morra perdeu encanto. Agora, quando os transeuntes e os carros de sempre param no semáforo mais concorrido desse bairro de Assunção, já não está lá aquele miúdo franzino e a bola que sempre o acompanhava. Durante muito tempo, retribuíam-lhe as habilidades com esmolas que lhe serviam para minimizar a pobreza em que vive desde sempre, até que a vida lhe estendeu a mão.

Se Ivan Genes confirmar o futuro que lhe prometem no futebol e concretizar o sonho de "ser o próximo Neymar ou Cristiano Ronaldo", tem toda uma história a sustentar-lhe os sacrifícios a que a vida o submeteu muito cedo. Demasiado cedo. Como um de quatro irmãos que foram lançados à existência no meio de uma pobreza traumatizante, Ivan foi segredando as amarguras da vida com uma bola de futebol. Não consta que lhe falasse, mas sabe-se que foi com ela que foi enganando a miséria, depois de desistir de engraxar sapatos.

Alguns dos 14 anos que leva às cabeçadas com o Mundo, Ivan Genes construiu-os com uma rotina bem definida. Quando não estava na escola - e não eram tão poucas vezes como isso, tal a urgência em levar dinheiro para casa -, era vê-lo no Villa Morra a dar largas a todo um reportório de habilidades, digno de alguém com talento para dar e vender. Com os pés, com os ombros, com a cabeça ou com o peito, tudo se manifestava numa sintonia que não deixava ninguém indiferente. Em troca, recebia dinheiro que chegava a casa de maneira a ajudar a mãe nas despesas.

Foi assim durante dias, semanas e largos meses. Até que veio o momento em que alguém deu bom uso às redes sociais e hoje pode gabar-se de ter contribuído para mudar o futuro de Ivan. Gravou-lhe as habilidades, o vídeo espalhou-se no mundo cibernético e foi parar às mãos de um empresário. Levado pelo instinto solidário ou não, o certo é que Regis Marques foi buscar o miúdo à rua, levou-o a fazer testes no Club Guaraní e assim iluminou-lhe o futuro.

Hoje, Ivan Genes é jogador do campeão do Paraguai, tem um contrato de formação que lhe garante um salário mensal de cerca de 100 euros e já não passa os dias no semáforo que o deu a conhecer ao Mundo. Nem fome.