Arranca, este domingo, o Campeonato mais caro e polémico. Corrupção, morte e poucos direitos humanos abafam dinheiro do Catar.
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"O Catar não respeita os direitos humanos. Toda a construção dos estádios e tal..., mas, enfim, esqueçamos isto. É criticável, mas concentremo-nos na equipa". As palavras podiam ter sido ditas numa qualquer mesa de café, mas foram proferidas pelo mais alto magistrado da nação e, por isso, é oficial: é tempo de assobiar para o ar, pôr uma pedra sobre os milhares que morreram na construção dos estádios - o "The Guardian" fala de 6500, o "NY Times" aponta cerca de 13 mil - e tentar festejar os golos do mais caro, atípico e polémico Campeonato do Mundo de que há memória. Marcelo Rebelo de Sousa sentiu-se na obrigação de explicar o que disse e, já em Doha na véspera do arranque da competição, o presidente da FIFA afirmou que as "lições de moral do Ocidente" são pura hipocrisia. Gianni Infantino até se pode sentir "catari, árabe, africano, gay, deficiente e um trabalhador migrante", mas a ironia perde-se no confronto com a realidade. Quase tão irónico como o facto de quase 700 trabalhadores migrantes terem falecido devido aos efeitos do calor excessivo enquanto dotavam os oito estádios de potentes sistemas de ar condicionado: jogadores e adeptos terão todo o conforto, a luta contra as alterações climáticas, essa, pode esperar.
As acusações de corrupção nas escolhas da Rússia e do Catar para os Mundiais de 2018 e 2022 até ajudaram a ditar a queda de Sepp Blatter da cadeira do poder da FIFA, mas os petrodólares continuaram a jorrar e até ditaram mudanças absolutamente inéditas na política da FIFA. Pela primeira vez, um Mundial joga-se no final do outono do hemisfério norte e, na antevéspera do jogo inaugural, a família real catari pediu que não fossem vendidas bebidas alcoólicas nos estádios e nas imediações dos mesmos. A FIFA apressou-se a aceitar o "conselho", por respeito às tradições locais, e agora enfrenta uma indemnização milionária a um dos seus maiores patrocinadores, uma marca de cervejas.
Enquanto o comité organizador local e o organismo que gere o futebol mundial insistem que todos serão bem recebidos no Catar, a verdade é que o país vive sob a lei islâmica e a igualdade de género é uma miragem em 2022. As mulheres continuam a ter de pedir autorização aos homens para casar, estudar ou trabalhar no estrangeiro, as relações homossexuais são puníveis com até sete anos de prisão e uma violação é facilmente transformada numa acusação de "relação extraconjugal". A vítima torna-se réu, podendo ser castigada com cem chicotadas, caso seja muçulmana, e ser presa durante sete anos.
É tempo, então, de esquecer o essencial e focar no acessório. Enquanto os relvados dos oito imponentes estádios estarão cheios de estrelas - de Cristiano Ronaldo a Messi, de Mbappé a Neymar, entre muitos outros -, em busca do maior troféu planetário, o Mundo fecha os olhos às muitas sombras de um Mundial quase deserto de princípios.
Catar-Equador
Boicote de artistas e o apoio LGBTQ+
O jogo Catar-Equador abre este domingo (16 horas) o Campeonato do Mundo e a cerimónia de abertura também já teve direito a polémica. Foram várias as estrelas da música que se recusaram a atuar no Catar, como Dua Lipa, J. Baldwin, Shakira ou Rod Stewart, que recusou um pagamento de um milhão de dólares, como forma de apoio à luta LGBTQ+. Entre os músicos que vão atuar ao longo do Mundial estão Robbie Williams - esperado na cerimónia de abertura de hoje -, Black Eyed Peas e Jun Kook, dos BTS.</p>
Registo
220 mil milhões de euros
é o custo total do Mundial Catar 2022, entre construção de estádios, estradas e hotéis, e supera mesmo a soma dos sete Campeonatos do Mundo anteriores.
Rússia (2018) - 11.6
Brasil (2014) - 15
África do Sul (2010) - 3.6
Alemanha (2006) - 4.3
Japão/Coreia (2002) - 7
França (1998) 2.3
Estados Unidos (1994) 0.5