Desporto juvenil atinge ciclo negro de 365 dias sem competição, devido à pandemia. Mais de 150 mil atletas já desistiram e não se veem soluções
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Na altura não se sabia, mas o fim de semana de 7 e 8 de março de 2020 foi o último reservado à competição para milhares de jovens que adoram jogar à bola ou praticar modalidades de pavilhão. O confinamento foi um despertar violento para uma nova realidade e cumpre-se um ano desde que os campeonatos da formação, das mais diversas modalidades, foram interrompidos, sem que haja ainda uma data prevista para que os atletas voltem a treinar e a competir. Tudo depende da evolução da pandemia.
Feitas as contas, perdem-se duas épocas e há a ameaça de uma terceira também ir por água abaixo. O desporto está comprometido? Vão perder-se gerações? Agostinho Oliveira, antigo coordenador das seleções nacionais e rosto bem conhecido do futebol de formação, deixa uma visão otimista: "Ainda há tempo, há margem. É complexo, sem dúvida, porque neste momento existe a desmotivação e os clubes precisam de ser ajudados para depois retomarem a atividade, mas não vai ser por este período que os miúdos vão desaprender de jogar. O problema está na base, mas esses ainda estão longe da definição, que é a partir dos 15/16 anos. Esta é uma oportunidade para os clubes e associações refletirem e pensarem em formas de recuperar esses jovens".
O antigo treinador lembra que o cenário surpreendeu toda a gente: "Se alguns clubes já tinham dificuldades, ainda pior ficaram com a pandemia. Foi algo que escapou ao controlo de toda a gente. Tem havido um esforço, mas as plataformas online não são a mesma coisa. A competição faz-se com competição. No campo".
Carlos Paula Cardoso, presidente da Confederação do Desporto de Portugal, não esconde a preocupação: "As verdadeiras consequências vão-se sentir daqui a quatro ou cinco anos, mas já sabemos que a taxa de abandono aumentou e que cerca de 150 mil atletas desistiram. É um número dramático".
O dirigente deixa um alerta ao Governo. "Tem havido diálogo, mas até agora não houve qualquer resolução. Há coisas que não se recuperam e vai ser necessário um esforço grande para ajudar os clubes, sobretudo os mais pequenos", diz Carlos Paula Cardoso, que lamenta o papel atribuído ao desporto: "De um momento para o outro parece que perdeu importância. Espero que haja visão por parte dos governantes para que ainda se possa recuperar uma geração de futuros campeões".
"Projeto Competir em Casa"
Combater o abandono com amigáveis no conforto do lar
Não são os sete magníficos, como no mítico filme de western, mas são sete jovens atletas e treinadores que decidiram combater o abandono da prática desportiva. André Campos, Bernardo Francisco, Carlos Soutilha, Rui Pereira, Fábio Freire, Sérgio Lourenço e Samuel Redondo meteram as mãos na massa e criaram o "Projeto Competir em Casa", que já reúne quatro centenas de atletas, com idades entre os 8 e 13 anos, e que acolhe mais de 30 equipas, algumas do Uruguai e Luxemburgo. "Detetámos logo no primeiro confinamento que as sessões por zoom não eram suficientes. Faltava motivação. Fizemos um primeiro jogo amigável entre o Clube Atlético de Pero Pinheiro e o Negrais e a adesão foi logo maior. Transmitimos no Facebook e mais clubes quiseram aderir", explica ao JN André Campos, que, para além de treinar, também joga no Alta de Lisboa.
"O amigável é feito com uma lista de desafios, onde tentámos aliar o desporto ao lado intelectual. Fazemos uma competição com o número de toques na bola, a reação a fazer contas, às cores e fazemos perguntas sobre a história dos clubes", conta o jovem técnico, que frisa que o objetivo é manter a atividade para que "os que saíram do desporto possam um dia voltar com a mesma vontade". O Portimonense foi um dos últimos a aderir, mas clubes como Salgueiros e Canelas também já se juntaram à iniciativa. "Já temos mais de 400 miúdos. Os filhos do Maxi Pereira [ex-jogador do F. C. Porto e Benfica] também entraram na iniciativa, numa equipa do Uruguai. Um dos jogos estava marcado para as 9 horas e eles lá estavam à hora marcada, apesar da diferença horária de três horas", diz, divertido, André Campos, que salienta que qualquer um pode participar.
Confiantes que o desporto seja objeto de financiamento
Há um ano que o desporto de formação em Portugal está sem competir. Qual será a fatura a pagar no futuro?
Para sermos rigorosos, desde junho de 2020 até ao confinamento que estamos a viver atualmente, todos os atletas pertencentes às modalidades classificadas de baixo risco treinam e competem, sem restrições. Sendo certo que os atletas das modalidades classificadas de médio e alto risco não podem competir, é também verdade que estão autorizados a treinar de acordo com as orientações [Orientação n.º 036/ /2020] da DGS.
O que tem sido feito para atenuar o impacto negativo?
Naturalmente que a ausência de competição ao nível dos escalões de formação das modalidades coletivas interfere com estes atletas e as suas carreiras. Uma pandemia é uma tragédia, tem impactos negativos em muitos setores e áreas da sociedade. Por isto, estamos muito empenhados em implementar estratégias de promoção para a participação destes atletas em quadros competitivos. A possibilidade de alterações aos regulamentos competitivos por parte das federações desportivas poderá ser um dos mecanismos a ser adotado para responder à imprevisibilidade resultante da evolução da pandemia.
No âmbito da formação, os clubes vão ser ajudados financeiramente através dos apoios vindos da União Europeia?
Estamos a trabalhar para que o desporto seja objeto de financiamento no quadro de apoios europeus e estamos confiantes que assim será.
Existe perspetiva de haver competição jovem até final da época?
A retoma do desporto tem sido acompanhada em permanência junto das autoridades de saúde. Não esquecendo o quadro de imprevisibilidade, temos a expectativa que a competição jovem, até ao final da época, seja uma realidade e temos vindo a trabalhar com as federações desportivas com base nessa possibilidade.