Herança genética, controlo do repouso desde o primeiro dia e não ter tido lesões graves na carreira são mais alguns fatores decisivos.
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No início da segunda parte do jogo do F. C. Porto, em Paços de Ferreira, Pepe arranca em velocidade antes da linha de meio-campo, para compensar um descuido de Marcano e recupera vários metros a Guedes, que tinha partido como uma seta, impedindo o remate, quando este se preparava para alvejar a baliza de Diogo Costa. O sprint já seria impressionante para qualquer um, mas tratando-se de um jogador de 40 anos, mais ainda.
No caso de Pepe, não são só este tipo de ações que impressionam, mas o facto de ainda estar a jogar por esta altura e com a confirmação que o vai fazer, pelo menos, por mais uma temporada. Perceber como é possível a um jogador desta idade ainda andar nos relvados e render ao mais alto nível, foi aquilo que alguns especialistas nos ajudaram a perceber. "O Pepe é a exceção que faz a regra. Do ponto de vista da higiene de vida, sempre soube ter um controlo absoluto, em termos de dieta, complementação da dieta, repouso e sono. Mas é de exceção, há poucos como ele e nenhum com as características físicas e genéticas que tem", garantiu, ao JN, Henrique Jones, antigo médico da seleção de Portugal.
Cuidar-se desde o início da carreira será, ao que tudo indica, o segredo. Por isso, há cada vez mais futebolistas veteranos a jogarem ao mais alto nível como Thiago Silva (Chelsea, 38 anos), Dante (Nice, 39 anos), José Fonte (Lille, 39 anos) e Makoto Hasebe (Frankfurt, 39 anos), curiosamente todos defesas centrais. A isto acrescenta-se a evolução científica do treino, o descanso e a alimentação.
Aos 38 anos, Cristiano Ronaldo come peixe, frango, vitela, ovos, abacate, óleo de coco e arroz preto. O avançado português utiliza ainda uma máquina de crioterapia para baixar a temperatura do corpo e acelerar a recuperação. "A prática regular de exercício faz com que o envelhecimento biológico seja menor. Em atletas de alta competição é diferente. Quando se trata de esforços de longa duração, com intensidades mais baixas, é possível prolongar-se durante bastante tempo a vida do indivíduo e ter mais anos de prática desportiva", começou por explicar José Alberto Duarte, médico fisiologista do exercício. "Em desportos coletivos observa-se mais esse prolongar de carreira, mas é sobretudo uma questão de sorte. É inevitável que a partir de determinada altura se perca capacidade, com algumas exceções", completou.
Entre os fatores que contribuem para que os atletas durem mais no tempo, Henrique Jones enumerou mais alguns: "Previne-se melhor a fadiga e o seu reconhecimento permite gerir o atleta para evitar a lesão. Os atletas estão mais conscientes de uma higiene de vida adequada e faz-se uma otimização das suas capacidades". A estes aspetos, José Alberto Duarte acrescentou ainda, "o processo de treino e os cuidados para evitar sobrecargas serão muito mais determinantes".
Mas há mais questões que interferem, quando se fala em prolongamento da carreira: as lesões. "No caso do Pepe, sofreu uma rotura no ligamento cruzado anterior, em 2010, mas faz sempre trabalho físico em termos de reforço muscular e de equilíbrio. São lesões para a vida. Mas hoje, o tratamento das lesões é mais científico e correto do que no passado", garantiu Henrique Jones.
Modalidades de esforços "explosivos" encurtam as carreiras
Kristin Armstrong foi campeã olímpica de ciclismo de estrada, em 2016, com 43 anos. Na natação, Anthony Ervin venceu o ouro nos 50 metros livres, em 2016, aos 35 anos. A ginasta Oksana Chusovitina, de 47 anos, participou em oito competições olímpicas na carreira e este ano foi medalha de bronze no salto, nos mundiais de ginástica artística de Cottbus, na Alemanha, confirmando-se como forte possibilidade para somar a nona presença em jogos olímpicos em Paris, em 2024. Estes são apenas mais alguns exemplos de atletas de outras modalidades que desafiam todos os limites.
"Os atletas que se prolongam no tempo não estão sujeitos a esforços máximos, são sempre de intensidade mais baixa, ou intermitente, mais compatíveis com o processo de envelhecimento. O envelhecimento compromete a nossa capacidade de realizar esforços explosivos, como provas de velocidade, salto em comprimento, ou salto em altura, esses não têm hipóteses de prolongar a carreira, porque sente-se muito o efeito da idade na performance", argumentou, ao JN, José Alberto Duarte, médico fisiologista do exercício. "O treino de alta competição é bastante danoso para as nossas estruturas, sobretudo para as articulações, para as estruturas ligamentares e até mesmo para a parte muscular. A partir de determinada altura começam a ter uma frequência elevada de lesões, passam mais tempo em recuperação de lesões, destreinando mais do que treinando", acrescentou ainda.
Aos fatores físicos somam-se outros de ordem diversa, mas não menos importantes para explicar a longevidade de um atleta. "Há muitos fatores, como o biótipo e o mecânico, pode levar a que seja mais fácil a determinado atleta realizar determinados movimentos, a motivação e os aspetos psicológicos também fazem com que os indivíduos sejam mais resilientes e mais persistentes, que aguentem mais a dor e desconforto", apontou o médico. "A partir dos 35 anos, músculos e tendões perdem elasticidade e se não se fizer um trabalho contínuo surgem as lesões, por isso é que antes se terminavam as carreiras mais cedo, porque as capacidades diminuíam. Mas vamos ter mais atletas no futuro a render acima dos 35 anos, pelas razões que se apontaram", rematou Henrique Jones.
Kasu Miura estreou-se e fez história aos 56 anos
Kasu Miura foi destaque na goleada da Oliveirense em Viseu, contra o Académico (4-1), ao estrear-se na Liga 2. Este era um passo aguardado do japonês de 56 anos, que entrou em campo a um minuto do final, mas o que não faltam são exemplos de jogadores em idade avançada, que se mantêm no futebol profissional.
Na Holanda, Wim Jonk (55 anos), foi inscrito como jogador mas assumiu o banco do F.C. Volendam. Lars Goenendijk, do Go Ahead Eagles, (52 anos) é outro jogador acima dos 50 anos e mantém-se como quinto guarda-redes. No Brasil, Fábio (Fluminense) e Nenê (Vasco) são os mais velhos em atividade no Brasileirão.
Entre os jogadores acima dos 40 anos, registem-se os guarda-redes Penneteau (Reims) e Gianluca Pegolo (Sassuolo). Joaquin, apesar dos seus 41 anos, soma um total de 24 jogos e um golo pelo Bétis, enquanto em Itália, Ibrahimovic (40 anos) ainda fez quatro jogos e um golo ao serviço do Milan, esta época. Os guarda-redes Caballero (Southampton) e Pepe Reina (Villarreal) fecham a lista dos mais velhos.