Nico Gaitán, ex-Benfica, reaprende a "desfrutar" em Paços de Ferreira.
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Ainda diz "jogar à bola", torce o nariz ao "GPS" e a uma certa robotização do futebol. O desencanto, difícil de esconder, quase ditou um final precoce. Até que um telefonema de um ex-colega agora treinador o devolveu ao futebol português e fez dele a estrela na Mata Real. Nico Gaitán também é o homem que passou seis anos no Benfica, mas que não sentiu Lisboa e prefere falar pouco do clube da Luz: "Quando saí de casa o meu foco era jogar e não conhecer as cidades".
Chegou a Portugal em 2010, saiu duas vezes, mas voltou sempre e em 2022 continua por cá.
Quando vim pela primeira vez, foi difícil porque eu não queria sair da Argentina. Estava a viver o sonho de jogar no Boca Juniors, estava muito confortável, em casa e com a minha família, mas eu sou feliz quando jogo e no Benfica ajudaram-me muito. Em Espanha, as coisas não correram tão bem, por isso fui para a China e depois para os Estados Unidos, onde me senti bem porque estava no campo. Depois, tentei fazer uma última tentativa na Europa, no Lille, mas veio a pandemia, a liga acabou e foi aí que tentei voltar a Portugal pela primeira vez. O Braga abriu-me as portas, mas, infelizmente, não consegui ajudar como queria.
E segue-se o Uruguai.
O Maxi Pereira ligou-me para ir. Fui para o Peñarol, estava mais perto de casa e fui campeão, mas cheguei a um ponto que não sabia o que ia fazer. Se continuava a jogar, se parava......Até que no mercado de janeiro, o César [Peixoto] ligou-me, falámos e aqui estou.
Ponderou acabar a carreira?
Sim, sim. Achava que já não encontrava motivação e como nos últimos tempos também não tinha tido a sorte do meu lado, pensei que era o momento de deixar o futebol, embora não fosse o que eu queria. Se o César não me liga, possivelmente hoje estaria sem jogar.
Está com 34 anos e desde 2018 mudou quatro vezes de país. Agora é para assentar em Portugal e ficar de vez?
Tive um filho há pouco tempo e isso muda-nos as prioridades. Quando éramos só eu e a minha namorada, era mais fácil sair, mudar. Por outro lado, também sei que estes são os meus últimos anos de carreira, então não posso dizer se vou ficar, até porque só tenho contrato até ao final da temporada. Não sei o que vai acontecer, nem me preocupa. Só penso no próximo treino, no próximo jogo e em desfrutar o momento.
Esse "desfrutar o momento" também tem algo a ver com estes anos recentes mais difíceis?
Acho que sim. Ter mudado tantas vezes nos últimos tempos também tem a ver com isso, se calhar não encontrei um lugar para ficar e estar confortável, embora em Braga também me sentisse bem. Quando o César me ligou, esta foi a opção que mais me agradou, por causa do país e do clube. Informei-me e falaram-me muito bem do Paços de Ferreira. Hoje, estou muito feliz com esta decisão.
O que encontrou aqui que faltou nos outros clubes?
É um clube que tenta sempre dar o melhor aos jogadores. O Paços não tem o poder económico dos clubes grandes, mas tem a vontade de o fazer, com pessoas que estão sempre disponíveis. Para quem vem de fora, isso é muito importante e é algo que eu comecei a perceber com as últimas experiências. Chegar a um sítio novo e ter pessoas que te ajudem, liberta-te de muitas coisas e faz com que só penses em jogar.
Sente que é visto de maneira diferente pelos companheiros de equipa? Sente a responsabilidade de ter que ser um exemplo?
Não sei. Sou uma pessoa normal, que vem fazer o seu trabalho, como eles. No início, talvez tenham olhado para mim de maneira diferente, mas depois vamo-nos habituando e tornas-te mais um. Sobre a responsabilidade, é a mesma que quando comecei a jogar. Quando comecei, tentava aprender com os jogadores mais experientes, mas também sabia que tinha a minha responsabilidade.
Acha que essa noção de responsabilidade falta às gerações mais novas? É algo muito debatido.
Na vida, tudo vai mudando. Quando eu era miúdo, a única coisa que tínhamos, e se podíamos, era uma bola. Hoje, não há bolas, mas tecnologia......É difícil comparar. Antigamente, os mais experientes eram os mais respeitados e os preferidos dos treinadores, agora é ao contrário. Acho que o futebol se tornou um negócio propício para lançar um miúdo e fazer dinheiro com ele, enquanto os mais velhos, a partir de uma certa idade, já não prestam e ficam fora do sistema.
Por outro lado, os jogadores duram cada vez mais tempo ao mais alto nível. Sente que também ainda podia estar a jogar a um nível mais alto?
Eu tive uma quebra na minha carreira, mas sei que se estivesse com um treinador que me desse continuidade dentro do campo, era capaz de ajudar qualquer equipa. Mas o jogo também mudou muito......Tornou-se robótico, tem GPS"s e todas essas coisas. Hoje, não sabes se festejas um golo ou não. Festejas e anulam-te, festejas e voltas a festejar... É muito estranho....Espero que não continuem a tirar o bonito deste desporto.
Nota-se algum desencanto.
Acho que o futebol está a perder perfume, magia. Não sei se por causa da sociedade atual......Já ninguém joga na rua, mas onde se encontram os melhores jogadores é nos bairros, onde os miúdos jogam todo o dia e aprendem a ser malandros para jogar. Já não há muitos jogadores desses e há coisas que as escolas (de futebol) não ensinam. Antigamente, pagava para ver muitos jogadores, agora não sei.
Imagine que acaba a carreira em junho. Qual balanço faria?
Que foi uma carreira linda. Estive num nível bom, cumpri o sonho de jogar pela Argentina. Faltou-me um título internacional, talvez. Tenho uma Liga Europa no currículo, pelo Atlético Madrid, mas só fiz um jogo e não sinto que a tenha ganhado.
Mantém a intenção de não ser treinador profissional?
Mantenho. Não gosto de tudo o que isso implica. Quando se é treinador passa-se mais tempo no clube do que quando se é jogador e a prioridade é a minha família....Mas isto é o que penso hoje. Conheci muitos que diziam que não iam ser treinador e são.
Não me diga que o Ruben Amorim é um desses casos?
Não, com o Ruben dava para ver que podia acontecer. Joguei muitos anos com ele e dava para ver que taticamente percebia muito.
Ao ponto de ter este sucesso?
Só o conheci como jogador e ser treinador é diferente, mas no Braga todos me disseram bem dele, como treinador, como pessoa e como lidava com os jogadores, o que também é muito importante.